Picada de escorpião amarelo, conhecido por ter o veneno mais perigoso da América do Sul, praticamente não causa sintomas em vítimas do Distrito Federal.

Considerado o mais perigoso da América do Sul, o escorpião amarelo – Tityus serrulatus – é personagem de um intrigante fenômeno. Comum nos estados do Sudeste do país, ele tem uma picada que causa muita dor e um veneno altamente tóxico que provoca dormência, vômito e náuseas, podendo até matar. Mas não no Distrito Federal.


“Esse escorpião causa morte por edema pulmonar agudo. Percebemos que em Brasília as picadas pelo escorpião amarelo aumentaram muito, mas não houve registro de sintomas, além de dor”, conta o pesquisador da Faculdade de Ciências da Saúde Fagner Neves.


Neves é autor de um estudo inédito que comparou as peçonhas da mesma espécie de escorpião do Distrito Federal e de Minas Gerais e descobriu que a peçonha do escorpião amarelo encontrado na capital é menos tóxica, e, por isso, praticamente não causa sintomas na vítima.


O pesquisador utilizou 60 escorpiões amarelos do DF. Desses, 50 foram encontrados só no campus Darcy Ribeiro, a maioria na Faculdade de Medicina. Os outros dez foram doados pela Divisão de Vigilância Ambiental. A peçonha do escorpião de Minas Gerais foi enviada pela professora Consuelo Latorre Fortes-Dias, da Fundação Ezequiel Dias, de Belo Horizonte. Fagner extraiu o veneno dos escorpiões e injetou em ratos e camundongos.


Neves descobriu que a toxidade da peçonha dos escorpiões encontrados no DF é praticamente a metade daqueles de Minas Gerais – enquanto lá 26 microgramas do veneno podem causar a morte dos camundongos, aqui isso só acontece a partir de 51,6 microgramas. Os ratos que receberam o veneno de Minas Gerais desenvolveram edema pulmonar e apresentaram alterações cardíacas. Os que receberam a peçonha do Distrito Federal não apresentaram alterações.


“Essa diferença de peçonha pode ocorrer por conta do novo meio ambiente e do clima”, explica a professora Márcia Mortari, do departamento de Ciências Fisiológicas. “Cada espécie de animal peçonhento tem um padrão de veneno. Ele descobriu que o veneno do DF tem os mesmos compostos da peçonha de MG, mas em quantidades diferentes”, completa.


As vítimas, no entanto, não devem ignorar as picadas. “Isso não significa que deva se preocupar menos. É bom procurar um médico. Precisamos registrar os casos que ocorrem aqui até porque o aumento do número dessa espécie pode causar um problema de saúde pública”, afirma o autor da dissertação Toxidade da peçonha de Titys serrulatus procedente do Distrito Federal por meio da avaliação da DL50, efeitos da peçonha e edema pulmonar induzido, defendido pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde.


Segundo o Ministério da Saúde, o número de casos aumentou entre 2007 a 2009, passando de 125 para 210. A quantidade ainda é, porém, muito inferior ao registrado em Minas Gerais – onde os casos também aumentarem, de 8.469 para 12.609, no mesmo período. Além disso, Minas registrou três óbitos, enquanto no DF não houve nenhum.  “Nós suspeitamos que ocorram muitos outros acidentes, mas pela pouca importância médica a vítima acaba não procurando o serviço de saúde”, afirma Neves.


NICHO ECOLÓGICO –
Três espécies de escorpiões viviam em Brasília desde sua inauguração, o Bothriurus araguayae, o Tityus fasciolatus e o Ananteris balzanii. Nenhum deles é conhecido por causar acidentes graves. Em meados da década de 70, o nicho ecológico do Tityus fasciolatus passou a ser ocupado pelo escorpião amarelo. “Ele pode ter vindo para Brasília em caixas de mudança”, acredita o pesquisador.


O que facilita a dispersão dessa espécie é a sua forma de reprodução, conhecida como partenogenética. As fêmeas não precisam de macho para se reproduzir. A fêmea atinge a maturidade sexual entre 2 e 2,5 anos e tem aproximadamente dois partos por ano. A gestação dura até três meses, tendo em média 20 filhotes. Os escorpiões alimentam-se de baratas, grilos e gafanhotos. Eles são importantes porque controlam a quantidade de insetos. “Pode ter certeza que no lugar que há barata há também escorpião, em lixões, bueiros e entulhos”, conta Neves.   

 

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