Estudo agrega informações aos bancos mundiais de sequenciamento genético e pode contribuir no melhoramento desse tipo de vírus como inseticida biológico e vetor de expressão

 

Foto: Daniel Ardisson-Araújo

 

Estima-se que haja centenas de milhares de espécies de baculovírus no mundo. Atualmente, cerca de cem delas possuem genomas sequenciados e disponíveis em bancos de dados de sequência genética de DNA, como o GenBank. Desse total, 60 espécies são inéditas nas publicações.

 

O potencial científico desse campo tem sido aproveitado por pesquisadores brasileiros. Professor adjunto do departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade Federal de Santa Maria (RS) e autor da tese de doutorado Genômica, evolução e caracterização funcional de genes de baculovírus, Daniel Ardisson-Araújo faz parte de um grupo de pesquisadores da UnB que, em parceria com vários baculovirologistas do país, é responsável pelo estudo da maior diversidade de baculovírus, bem como dos aspectos moleculares da infecção viral com a caracterização de novos genes. Além dos achados agregados à literatura científica, o trabalho rendeu também a publicação de nove artigos em revistas científicas internacionais e duas premiações, o Prêmio Capes de Tese e o Prêmio UnB de Dissertação e Tese.

 

VÍRUS – Baculovírus são vírus de DNA capazes de infectar oralmente alguns insetos no estágio larval. Por essa razão, são utilizados como poderosas ferramentas para controle biológico de insetos-praga que causam danos na agricultura mundial, como, por exemplo, lagartas que prejudicam plantações de soja, milho e algodão. Vale esclarecer que, diferentemente dos inseticidas químicos, seu uso é seguro, pois esse vírus atua somente no organismo de determinados hospedeiros, não causando danos à saúde humana e nem de insetos benéficos, como as abelhas.

 

Resumidamente, o baculovírus funciona da seguinte forma: o inseto em fase larval ingere o alimento (folhas, frutos, caules) contaminado pelo vírus. Ao chegar no intestino da larva, o vírus – que antes estava protegido, em um corpo cristalino – entra em contato com o ph alcalino do suco gástrico, resultando na liberação de partículas virais que infectam células do intestino da larva. A partir daí se desencadeia um processo em que a infecção é espalhada, ocorre uma infecção secundária sistêmica, e com a multiplicação do genoma viral o sistema de defesa da larva fica comprometido, resultando em sua morte.

 

Pesquisador Daniel Ardisson-Araújo no Laboratório de Biologia Celular e Virologia da UnB. Foto: Beatriz Ferraz/Secom UnB

CONTRIBUIÇÕES – Até o início da pesquisa de Daniel Ardisson-Araújo, em 2012, existiam somente dois genomas de baculovírus isolados no Brasil sequenciados e publicados, sendo apenas um deles inédito. Em sua tese foram sequenciados e estudados mais de dez novas espécies de baculovírus brasileiros como os isolados do mandarová-da-mandioca, da broca da cana-de-açúcar, do bicho da seda, da lagarta polífaga helicoverpa armigera e do mandarová-do-mate.

 

O pesquisador explica que o sequenciamento do genoma completo dos diferentes vírus dessa família pode gerar, entre outros ganhos, sua melhor utilização como agentes de controle biológico. Isso porque a perda ou o aumento de sua capacidade de infectar o hospedeiro relaciona-se, por exemplo, à sua estabilidade genética como vírus isolado temporalmente ou às mutações que tenha sofrido.

 

Além de estudar a função de determinados genes do vírus, a pesquisa também fez uma abordagem evolutiva dos genomas. “Esses organismos estão em constante evolução, interagindo com hospedeiros, bactérias, fungos. Ao estudar como os genomas mudam ao longo do tempo, podemos identificar, por exemplo, genes que o vírus adquiriu ou eliminou e que deram a ele vantagens competitivas”, acrescenta o coorientador da tese, doutor Fernando Lucas Melo.

 

Ardisson-Araújo ressalta que tanto a genômica quanto o estudo molecular básico de baculovírus têm contribuído para a compreensão de doenças associadas a humanos que são produzidas por outras espécies de vírus, como herpesvírus e arboviroses. Os baculovírus também podem ser aproveitados como vetores de expressão heteróloga, um processo em que o pesquisador modifica geneticamente o vírus para produzir algo de seu interesse a ser aplicado em benefício do ser humano, como kits diagnósticos de doenças (como dengue, febre amarela, entre outras) ou vacinas.

 

JORNADA – Tantos resultados vêm de muitos anos de dedicação. A vivência em laboratório começou ainda no primeiro semestre da graduação e, com a publicação da tese, Ardisson-Araújo completou uma década estudando vírus de inseto. “Tudo o que faço é de forma apaixonada e com a ciência não é diferente. Abro mão de muitas coisas de que gosto no dia a dia porque amo o que faço aqui”, afirma. Ele conta que durante o doutorado, a rotina no laboratório começava às 6h30 e terminava às 23h, inclusive aos finais de semana. “A autopressão do doutorado é grande. Ou você trabalha muito ou não consegue ser imerso no mercado de trabalho depois. É preciso publicar bastante para ter resultados mais rápidos", avalia.

 

Durante a pesquisa, Ardisson-Araújo passou quase um ano e meio na Kansas State University, em Manhattan, Kansas, Estados Unidos. Sobre a experiência, afirma: “Nosso laboratório aqui na UnB pensa ciência de verdade. Não estamos atrás dos pesquisadores de maneira alguma". Apesar disso, ele acredita que há alguns entraves a serem resolvidos para que a ciência avance a passos mais largos no país. “A burocratização no Brasil dificulta, porque tudo demora. Além disso, no exterior eles têm algumas facilidades, como serviços e ferramentas importantes que dão suporte ao trabalho do pesquisador. Assim, em vez de gastar tempo para fazer trabalho técnico, como processar um material, o pesquisador pode pensar a ciência. Por isso eles publicam muito e muito bem, porque dispõem de tempo para pensar a ciência, enquanto nós temos que lidar com problemas técnicos”.

 

Bergmann Ribeiro (à esq.) e Fernando Lucas Melo, orientador e coorientador da tese. Foto: Beatriz Ferraz/Secom UnB

RELEVÂNCIA – Orientador da tese, professor de Biologia Celular e Virologia da UnB, ex-diretor de Pesquisa e Pós-Graduação da UnB (2012-2016) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (2015-2016), Bergmann Ribeiro é estudioso do assunto há mais de três décadas. Para ele, uma grande contribuição do presente estudo é a alta quantidade de informação relevante disponibilizada. "Com o sequenciamento do genoma desses vírus, descobrimos genes que não são encontrados em nenhum outro organismo e então começamos a estudá-los. Por meio da engenharia genética, colocamos esse gene em outro vírus e aí podemos avaliar o que acontece quando ele se replica. Isso é só uma parte do estudo. É uma grande quantidade de informação nova e relevante que passa a integrar a literatura científica", afirma o professor.

 

Bergmann Ribeiro reforça que investir na pesquisa científica e na formação de mestres e doutores é o caminho para se produzir algo novo e trazer inovação. “Toda pesquisa científica adiciona conhecimento novo e sua aplicação pode ser imediata ou futura, mas em algum momento esse conhecimento pode servir para questões estratégicas da humanidade”, conclui.