Criado por empresa incubada no Centro de Desenvolvimento Tecnológico, aparelho submete atletas a sessões de mergulho em vapor de nitrogênio a temperaturas inferiores a - 100ºC. Ideia é viabilizar equipamento para a Copa de 2014.

Um atleta entra em uma cabine e mergulha em gás de até -100º C, tem os três minutos mais frios de sua vida e sai feliz, pronto para mais uma partida. O cenário não é parte de um show de mágica nem de um programa dominical. É ciência. A cabine é um aparelho de crioterapia extrema criado pela Kryos Tecnologia, empresa incubada pelo Centro de Desenvolvimento Tecnológico (CDT) da Universidade de Brasília. Dentro dela, vapor de nitrogênio cobre o corpo inteiro do atleta e o submete a temperaturas extremamente baixas para curar inflamações e melhorar a recuperação muscular.


O pesquisador Tiago Melo, que desenvolveu o aparelho, explica que o princípio é o mesmo de quando aplicamos gelo em uma área muscular lesionada, logo depois de um tombo, por exemplo. “Os receptores de temperatura do corpo traduzem isso em uma diminuição no calibre dos vasos sanguíneos, o que diminui a inflamação no local atingido", explica o criador da máquina. No caso da cabine da Kryos, ainda em fase de testes, os benefícios seriam maiores. “Como todos os receptores do corpo são ativados exageradamente, a resposta é melhor e mais duradoura”, afirma. Segundo ele, além de recuperar lesões mais rapidamente, tratamento funciona também como anestésico possibilitando uma fisioterapia mais eficiente, além de poder ser usado como parte do treinamento de alta performance.


Tiago quer aproveitar a Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas para colocar um aparelho em cada sede brasileira. A ideia é começar oferendo o equipamento aos centros de treinamento e academias. Tiago não tem, entretanto, um plano de vendas nem o valor estimado de cada equipamento, mas revela que o projeto todo custou R$ 450 mil. "Estamos fazendo ainda análises de mercado com atletas e academias de Brasília", explica.


A meta é que o valor de cada sessão não ultrapasse $ 50 Euros. O triatleta brasiliense Fabiano Santos fez três sessões da sauna gelada e aprovou. “Tive uma recuperação muito mais rápida do que o normal”, afirma. Logo depois de uma das sessões, por exemplo, há dois meses, Fabiano participou do Endurance de Brasília, e conseguiu sua melhor colocação em seis participações, Ficou em 4º lugar. Ele também classificou-se para o IronMan do Havaí, uma das competições mais importantes do calendário mundial de Triathlon.


TESTES -
Martim Bottaro, professor da Educação Física especialista em fisiologia do exercício, lembra que a crioterapia já é utilizada com sucesso em casos de reumatismo. Ele alerta, no entanto, que não está claro na literatura médica a recuperação de danos musculares como consequência deste procedimento. "Estamos aguardando o aparelho para fazermos mais estudos", diz. "A teoria é de que a criogenia aumentaria a remoção do ácido lático, que é formado no exercício e causa o cansaço, e aceleraria o processo de recuperação de microlesões causadas no músculo", conta.


Segundo Tiago, um dos benefícios é sentido depois que o aparelho para de funcionar. “Depois de sair do frio extremo há um processo conhecido como hiperemia, quando há uma hipercirculação sanguínea pelo corpo, o que pode até explicar o bem-estar que alguns sentem”, diz. De acordo com o pesquisador, esse bem-estar é relatado em diversas pesquisas científicas e, às vezes, é necessário impor limites no uso para prevenir dependência física e até psíquica. “Por isso mesmo, o aparelho é usado para tratar casos de depressão em alguns países”, conta.


Fabiano apontou dois outros benefícios no uso da cabine. O primeiro é que cada sessão dura três minutos, tempo de exposição considerado seguro segundo as pesquisadas sobre o tema. Além disso, o atleta não precisa se molhar. A comparação mais direta é com a piscina de gelo, método de resfriamento arcaico e o mais usado atualmente para tratamento de atletas do Brasil. Nesta piscina, o atleta é submetido a uma temperatura de -10 graus por cerca de 30 minutos. A tolerância ao frio na piscina é menor, o que causa dor. “A cabine oferece resultados melhores em um curto espaço de tempo”, afirma Tiago.


O pesquisador explica que a cabine transforma o nitrogênio líquido em vapor de nitrogênio, que é menos frio e não molha o atleta. Tiago garante que não há riscos. "O vapor não congela o corpo. Se fosse nitrogênio líquido congelaria. Além disso, o botijão do nitrogênio é mais seguro que o de gás de cozinha", completa. Tiago ressalta que o aparelho tem de ser utilizado em ambiente ventilado e com mais de 20 metros quadrados. "Num ambiente fechado, grandes quantidades de nitrogênio podem diminuir a proporção de oxigênio. Por isso mesmo, o equipamento gera alerta para evitar acidentes", explica.


CULTURA -
Tiago explica que a imagem de um tratamento estranho, como parece para muitos brasileiros, é um dos seus  desafios como empresário. Ele lembra dos banhos congelantes de alguns europeus e de experimentos espaciais com criogenia para mostrar que se trata de uma questão cultural. “Em alguns países, essas técnicas são vistas como revigorantes e fazem parte da cultura”, explica. Ele acrescenta que no exterior a criogenia é usada não só para atletas, mas também para tratamento médico em reumáticos e até contra a celulite. Na Polônia, há mais de 20 hospitais com câmaras de criogenia coletivas do mesmo tipo e há protocolos médicos que estimulam o seu uso. No Brasil, para utilizar o equipamento, é preciso liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).


Por isso, além de divulgar o trabalho e acabar com o preconceito, Tiago quer estimular a pesquisa. A ideia é fornecer um aparelho para o Hospital Universitário da UnB que seria utilizado no tratamento de reumatologia. Outro projeto é instalar um aparelho no Centro Olímpico. “Queremos montar projetos de pesquisa e já estamos fazendo parcerias com laboratórios da UnB”, conta.


A cabine utilizada hoje na Kryos surgiu em 2008, quando Tiago, mestre em física pela UnB, teve contato com um aparelho semelhante. A empresa já fazia trabalhos com frio extremo e começou, em 2005, com o projeto do Cryd Speed, um beneficiamento de motores para terem mais performance com o auxílio da criogenia. “Queria montar um negócio que envolvesse tecnologia e percebemos que esse campo era inexplorado no Brasil”. No CDT, onde recebeu aconselhamento técnico e aulas de empreendedorismo, a empresa se associou com a INBD engenharia, que trabalhou na parte eletrônica do projeto e com quem ganhou um edital da Fundação de Apoio à Pesquisa do DF.