Pesquisador constata que as mudanças propostas pelo Legislativo caminham em direção contrária à realidade de países europeus com sistema similar ao brasileiro.

A reforma política volta à pauta do Congresso Nacional a cada dois anos desde 1997. Sem consenso nem previsão de virar realidade, o tema ganhou ares de conto de fadas. Pior: uma década de discussão ainda se resume a propostas ultrapassadas. Uma pesquisa da Universidade de Brasília constatou que as mudanças previstas no projeto brasileiro não alcançaram o resultado esperado quando aplicadas em países europeus com sistema político similar.


O estudo analisou os cinco principais pontos do Projeto de Lei 1.210/2007 em tramitação na Câmara Federal. Os dois mais polêmicos, financiamento público de campanha e votação por lista fechada, vão na direção contrária às experiências europeias. O cientista político, Rodolfo Teixeira, autor da pesquisa, comparou a proposta nacional às reformas realizadas na Suécia, Bélgica, Portugal e Espanha nos últimos 20 anos. Nações que também adotam sistema proporcional na eleição do Legislativo e com democracias mais consolidadas que a brasileira.


Nenhum país optou por financiamento exclusivamente público, como está no PL 1.210. Mesmo na Espanha, em que 90% das verbas de campanha são do governo, os dois principais partidos tiveram problemas com recursos ilícitos. “Sinal de que tem algo errado”, afirma Teixeira, contrariando a perspectiva de a mudança inibir a corrupção na campanha eleitoral.


O financiamento 100% público de campanha reduziria drasticamente os recursos, dos R$ 10 bilhões gastos e declarados em 2006 para R$ 1 bilhão previsto. A fiscalização das contas partidárias em 2006, contudo, foi feita por uma equipe de menos de dez pessoas do Tribunal Superior Eleitoral. “Não adianta ideias interessantes sem instituições com capacidade para fiscalizar, senão corremos o risco de incentivar o caixa dois”, alerta o pesquisador, que defendeu o doutorado sobre o assunto em março de 2009.


A REFORMA NECESSÁRIA -
De acordo com Teixeira, retirar as pessoas físicas e jurídicas do financiamento político seria inapropriado, motivo que levou os quatro países da Europa a adotarem financiamento misto de campanha. A solução equilibra a concorrência entre os partidos sem distanciar os políticos de suas bases eleitorais. “O financiamento 100% público torna o político muito dependente do Estado e longe da população”, diz.


Distanciar candidatos e eleitores é a principal crítica para a adoção de lista fechada na eleição para a Câmara Legislativa, como prevê o projeto de lei. As cúpulas partidárias definiriam a lista e ordem dos candidatos a ocuparem as cadeiras conquistadas na eleição. A escolha nas urnas seria pelos partidos. No entanto, nos quatro países europeus, a medida adotada com o intuito de fortalecer as legendas acabou reduzindo a participação política e o vínculo entre a população e o parlamentar. Na Suécia e na Bélgica a lista fechada foi flexibilizada, caminho oposto à proposta brasileira.


Apesar das divergências, o estudo aponta a necessidade de mudanças que abracem o princípio inscrito no projeto de lei, ou seja, aumentar a legitimidade dos partidos. Significa reduzir o número de legendas e fortalecer o posicionamento ideológico. Entre os especialistas, essa é uma questão clara na reforma política. As dúvidas se concentram, na verdade, em como fazer. “Não há democracia sem partidos fortes. É preciso limitar o número para uma representatividade mais expressiva”, reforça o cientista político e professor da UnB João Paulo Peixoto.


De acordo com a pesquisa, corroboram para a mudança a adoção de cláusula de barreira e o fim das coligações para eleições proporcionais no Legislativo, ambas previstas no PL 1.210. As duas medidas caminham para a redução do número de partidos, sobretudo a primeira, que impõe um percentual mínimo de votos para a conquista de uma cadeira. No caso, 2% do total. Se a regra estivesse em vigor na última eleição legislativa, pelo menos sete partidos deixariam a Câmara Federal. Entre eles o PCdoB, da base do governo.


“Temos muitos partidos inexpressivos, legendas de aluguel. Como diferenciar mais de 30 partidos? Na Câmara são mais de dez”, afirma Peixoto, que defende cláusula de barreira de 5%. Nos quatro países europeus e em outras democracias do cenário internacional disputam muito menos de dez partidos. Geralmente, os três maiores detêm o controle da Câmara. “Enquanto que no Brasil, o maior deles, PMDB, tem menos de 20% das cadeiras”, diz o pesquisador.


PESSIMISMO - Embora não seja difícil convencer sobre as imperfeições das regras políticas no Brasil, a aprovação da reforma política em 2009 é improvável na visão dos especialistas. Como 2010 é ano eleitoral, as novas regras deveriam ser votadas até o fim de setembro. A principal barreira são os deputados. “A renovação com o sistema atual é muito alta, cerca de 50%. Eles temem um índice maior ainda com as mudanças. O personalismo na política brasileira é muito grande”, avalia o professor do Instituto de Ciência Política da UnB David Fleischer.


Ele lembra que na Alemanha, na década de 1950, quando o país elaborou as regras eleitorais, não foram os deputados que decidiram. Na época, houve uma espécie de constituinte e um grupo chamado Congresso da República discutiu as leis. “Quando deixamos para os próprios deputados decidirem sobre o regime eleitoral, eles legislam as regras de acordo com os interesses de eleição”, destaca Fleischer. A opção para o Brasil, na opinião do professor, é apelar para um plebiscito. No entanto, até mesmo essa alternativa deve ser referendada pelo Congresso Nacional.


Os mais otimistas estão esperançosos com a aprovação da proposta de reforma política do Executivo de maneira “fatiada”, como propôs em fevereiro o Ministério da Justiça. Dividida em três projetos de lei e uma emenda à constituição, a proposta remete às ideias elaboradas pelo Legislativo, conforme o PL 1.210. Fleicher diz acreditar que, na melhor das hipóteses, pelo menos a fidelidade partidária pode passar. Enquanto que João Paulo Peixoto espera por um fato político que acelere o processo. “Enquanto não tivermos o interesse forte do governo, a proposta caminhará lentamente. Talvez a crise econômica ou o terceiro mandato mudem o cenário.”


Projetos para reforma política

A reforma política em discussão na Câmara Federal concentra-se no Projeto de Lei 1.210/2007 do deputado Regis de Oliveira (PSC/SP). Ele substitui mais de 100 propostas que travavam a votação da reforma e que foram rejeitadas em plenário. O texto é baseado nas diretrizes aprovada pela Comissão Especial da Reforma Política, relatada pelo deputado Ronaldo Caiado (DEM/GO). Entre outras medidas, o projeto estabelece voto em lista fechada, financiamento público de campanha, cláusula de barreira e proibição de coligação nas eleições proporcionais, para vereador e deputado.


Em fevereiro de 2009, o Ministério da Justiça apresentou à Câmara Federal o texto final da proposta de reforma política feita pelo Executivo. A intenção é votar a proposição “fatiada”, uma vez que foi dividida em seis projetos de lei e uma emenda constitucional. Eles abordam, fundamentalmente, as mesmas diretrizes do projeto em tramitação na Câmara.