Produtividade agrícola aumentou em 11 anos e permite convivência dos dois setores, conclui pesquisa da UnB.

Para explicar a alta do preço de alimentos no mundo, o argumento mais comum é jogar a culpa na produção de biocombustíveis. Ou seja, a oferta de comida teria diminuído em decorrência da redução de áreas agriculturáveis para o setor, levando a uma inflação nas gôndolas dos supermercados. No entanto, um estudo feito na Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília (UnB) mostra que essa explicação está equivocada, pois os dois setores convivem perfeitamente, sem que um afete a produção do outro.


Para que houvesse prejuízo à disponibilidade de alimentos no Brasil, as estatísticas deveriam apontar queda nas safras. Mas o que vem acontecendo é exatamente o contrário, diz a economista Isabel Murillo Hernandez, autora da pesquisa. A produtividade das culturas de milho, arroz e feijão cresceu entre os anos de 1995 e 2006. E o mais surpreendente: a produção agroalimentar tem aumentado sem precisar de novas terras.

As culturas alimentares, sem necessidade de ocupar novas áreas, deixaram  disponíveis espaços para o avanço do plantio de matéria-prima para os biocombustíveis, como soja e cana-de-açúcar. “Por isso, não há como se falar em concorrência entre elas”, afirma a economista.

A produção de milho, por exemplo, aumentou de 36,2 milhões de toneladas para 42,6 milhões em uma década, período em que a produtividade cresceu de 2,5 toneladas por hectare (t/ha) para 3,2 t/ha, uma evolução de 27%. Além disso, o espaço ocupado por essa lavoura, que era de 14,1 milhões de hectares, passou para 12,9 milhões de hectares.

Quanto ao arroz, foram colhidas 11,2 milhões de toneladas em 1995 e 11,5 milhões em 2006, com aumento na produtividade, que era de 2,5 t/ha e foi para 3,8 t/ha. Esses fatores fizeram com que essas lavouras liberassem mais de 25% da área anteriormente utilizada, passando de 4,4 milhões de hectares para 3 milhões hectares.

O mesmo efeito se verifica com o feijão, cuja produção saltou de 2,9 milhões de toneladas para 3,4 milhões. A produtividade subiu de 0,5 t/ha para 0,8 t/ha, enquanto a área necessária para o plantio também foi menor, diminuindo de 5,3 milhões de hectares para 4,2 milhões de hectares.

Para a pesquisadora, os dados engrossam as vozes que defendem os biocombustíveis, tendo em vista declarações recentes de autoridades internacionais, como o Banco Mundial (Bird), de que a crise dos alimentos seria causada por essa fonte de energia limpa. “O preço do petróleo é que está afetando os custos de produção, que tem o efeito de encarecimento dos transportes e insumos”, afirma.

SOJA – O trabalho mostra, ainda, em números, o inegável avanço das culturas de soja e de cana-de-açúcar, puxado, em parte, pelos biocombustíveis. Ao contrário das culturas de alimentos, que se utilizaram apenas da melhoria de técnicas que aumentam a produtividade, essas lavouras também se valeram da ocupação de mais terras para incrementar a produção.

Entre 1995 e 2006, por exemplo, a produção da soja simplesmente dobrou. De 25,6 milhões de toneladas, saltou para 52,4 mi. A produtividade subiu de 2,1 para 2,3 t/ha, assim como a área plantada, que foi de 11,7 milhões de hectares para 22 milhões. Para se expandir, a cultura se aproveitou dos espaços liberados pelas lavouras de milho, arroz e feijão. Também pelas pastagens naturais e pastagens plantadas.

Por sua vez, as plantações de cana-de-açúcar, que gera o etanol, acompanharam a tendência da soja. Em termos de produção, os números são de 303,6 milhões de toneladas em 1995 e 457,2 milhões em 2006; produtividade de 65,4 t/ha para 73,9 t/ha; área de 4,6 milhões de hectares para 6,1 milhões de hectares.

Isabel diz que, em um futuro ainda distante, pode surgir uma competição via preços de mercado por áreas destinadas a culturas de produtos alimentícios e biocombustíveis, já que o empresário investe naquilo que oferece mais retorno. Nesse caso, entrarão em cena os arranjos institucionais para regular e estabelecer o equilíbrio da produção agroalimentar e agroenergética. A pesquisa mostra que, pelo menos por enquanto, a produção de alimentos deve se manter dentro do atual patamar da demanda, sem que a produção de biocombustíveis prejudiquem a oferta de alimentos.

A economista, que é funcionária do Ministério da Agricultura do Equador e vai retornar ao país, espera que os conhecimentos adquiridos sobre a experiência do Brasil auxiliem o seu país em decisões de políticas a respeito de investimentos em biocombustíveis.



Veja a relação entre aumento e diminuição de áreas plantadas por três macrorregiões no Brasil (de 1995 a 2006, considerando médias decrescimento):

- Norte/Nordeste

Aumentou

1. Soja: + 858,8 mil hectares
2. Milho: + 134 mil hectares

Diminuiu

1. Pastagens naturais: - 894 mil hectares
2. Pastagens plantadas: - 811 mil hectares
3. Arroz: - 87,8 mil hectares
4. Cana-de-açúcar: - 76,6 mil hectares
5. Feijão: - 51,9 mil hectares

- Sul/Sudeste

Aumentou

1. Soja: + 2.168,5 mil hectares
2. Cana-de-açúcar: + 153,3 mil hectares

Diminuiu

1. Pastagens naturais: - 875,8 mil hectares
2. Pastagens plantadas: - 616,5 mil hectares
3. Feijão: - 322,5 mil hectares
4. Milho: - 241,3 mil hectares
5. Arroz: - 26,8 mil hectares

- São Paulo

Aumentou

1. Cana-de-açúcar: + 427,2 mil hectares
2. Soja: + 119,2 mil hectares

Diminuiu

1. Pastagens plantadas: - 213,1 mil hectares
2. Milho: - 83,6 mil hectares
3. Pastagens naturais: - 60,6 mil hectares
4. Arroz: - 49,4 mil hectares
5. Feijão: - 16,9 mil hectares

- Centro-Oeste

Aumentou

1. Soja: + 2.890,6 mil hectares
2. Milho: + 448,4 mil hectares
3. Cana-de-açúcar: + 103,1 mil hectares
4. Arroz: + 8,7 mil hectares
5. Feijão: + 5,8 mil hectares

Diminuiu

1. Pastagens plantadas: - 937,9 mil hectares
2. Pastagens naturais: - 371,7 mil hectares

- Goiás

Aumentou

1. Soja: + 1.021,2 mil hectares
2. Cana-de-açúcar: + 55,9 mil hectares
3. Feijão: + 8,9 mil hectares

Diminuiu

1. Pastagens plantadas: - 430,9 mil hectares
2. Pastagens naturais: - 155,1 mil hectares
3. Milho: - 114,4 mil hectares
4. Arroz: - 40,6 mil hectares