Dois meninos e quatro meninas melhoraram sua coordenação motora após sessões onde eram estimuladas a se movimentar de acordo com a música.

Estudo inédito do Instituto de Psicologia da UnB mostrou como a dança pode ajudar crianças com paralisia cerebral a melhorar seus movimentos. Em sua pesquisa de mestrado, a fisioterapeuta Elizabeth Maia estudou a evolução da capacidade motora de seis crianças, com idades entre 5 e 9 anos, a partir de sessões em que elas eram estimuladas a se mexer conforme a música.


“Em cada sessão, a criança era tirada da cadeira de rodas, trazida ao tatame e colocada no meu colo. Ao som de músicas infantis, eu dançava e o movimento do meu corpo estimulava movimentos no corpo dela. Fiz a análise do quanto este contato poderia promover ganho de equilíbrio e reações posturais na criança”, afirma. Segundo ela, a pesquisa teve por objetivo geral avaliar se os exercícios da dança de contato, aplicados à criança com paralisia cerebral, poderiam impactar na modificação e ampliação do seu repertório de mobilidade e de expressões cognitivas (atenção) e emocionais (satisfação e insatisfação) durante a atividade.


Duas vezes por semana, cada criança passava por uma sessão de 30 minutos em que eram realizados três exercícios básicos da dança de contato. Criada especificamente para o contexto do estudo, a dança compõe-se de exercícios que combinam ações de rolar, girar, subir, escorregar, aproximar e afastar, inclinar e retornar da inclinação, trazendo a brincadeira para o processo de estimulação das crianças com paralisia cerebral participantes da pesquisa.


Elizabeth explicou que o estudo fez a análise de 21 sessões, registrando em vídeo quatro delas. “Eu choro cada vez que assisto aos vídeos porque cada conquista das crianças é uma satisfação indescritível. Elas não têm oportunidade de experimentar o meio como uma criança sem limitações experimenta. Eu sentia os ganhos de interação das crianças principalmente através do olhar”, afirmou.


Especificamente, os exercícios puderam comparar os desempenhos cognitivos e motores com o auxílio de testes neuropsicológicos (testes Gross Motor Function Classification System (GMFCS - de mobilidade para determinar o nível de independência locomotora), Columbia Mental Maturity Scale (CMMS/Columbia – de raciocínio e maturidade mental) e Gross Motor Function Measure (GMFM - da função motora grossa) antes e após a intervenção da dança, além de acompanhar a evolução dos desempenhos dos participantes com paralisia cerebral através de um etograma (uma tabela de desempenho e análise) comportamental elaborado a partir das imagens coletadas nos vídeos.


BENEFÍCIOS - 
Foram percebidas modificações na atenção, com evolução no comportamento cognitivo; na motricidade, com a diminuição dos movimentos involuntários de membros superiores e inferiores; diminuição de movimentos incoordenados de cabeça, tronco e membros superiores; aumento de movimento coordenado de cabeça, tronco e membros superiores e inferiores. Em contrapartida, houve diminuição do movimento coordenado global, ou seja, a estimulação impactou o desenvolvimento de aspectos motores, cognitivos e interativos.


Segundo Elizabeth, os resultados da pesquisa indicaram que quanto maior o número de sessões, menor foi a falta de coordenação para cabeça, tronco e membros; maior foi a aquisição de controle motor e, consequentemente melhoraram funcionalidade e expressividade. "Os efeitos da intervenção Dança de Contato sobre os aspectos cognitivos, interativos e motores indicaram ser possível a utilização desta abordagem como instrumento de intervenção neuropsicológica”, explica.


Em outras palavras, se for levado em consideração que a intervenção totalizou um período de dois meses pode-se sugerir que as modificações dos padrões comportamentais se evidenciaram, não por ter havido maturação neural natural, mas sim, devido aos 53 estímulos recebidos. “Ao adquirir maior controle sobre os próprios movimentos e conquistar independência motora entre as unidades corporais dissociando cintura pélvica e escapular, controlando a mobilidade da cabeça ou controlando o movimento de membros superiores e inferiores, a criança se faz capaz de atribuir funções às unidades corporais”, argumentou a pesquisadora.


Elizabeth se envolveu com o tema quando conheceu o professor Sérgio Leme, do Instituto de Psicologia, em um congresso sobre paralisia cerebral. A partir desse contato, Sérgio a estimulou a se inscrever no mestrado em Neurociências do Comportamento e aprofundar o estudo. “Somos todos diferentes e precisamos respeitar as diferenças dos outros. Me senti envolvida o tempo todo. Acho que estou contribuindo e a alegria é imensa. Eu me sinto com o compromisso de continuar”, afirma a fisioterapeuta, formada também em dança contemporânea.


METODOLOGIA –
 A pesquisadora iniciou o estudo fazendo uma triagem a partir da observação de crianças da Escola Especial 2, em Brasília. Seis crianças com idade entre 5 e 9 anos (dois meninos e quatro meninas), foram as escolhidas para a pesquisa por apresentarem um diagnóstico clínico de encefalopatia crônica não progressiva da infância (chamada de paralisia cerebral, é uma desordem caracterizada por alteração do movimento por conseqüência de uma lesão não progressiva do cérebro ainda na fase de desenvolvimento) e quadro clínico de quadriplegia do tipo mista (com comprometimento nos quatro membros do corpo e alto déficit de cognição ou pouca capacidade de compreensão).


Elizabeth conversou com os pais das crianças, explicando como seria o estudo e colhendo informações sobre o comportamento em casa. Os responsáveis assinaram termo de consentimento e autorização do uso das imagens para eventos científicos e publicação em revistas, livros e artigos científicos. Ela resguardou o sigilo em relação a todos os participantes substituindo seus nomes por números (o nome dos participantes não foi divulgado).


Quanto às perspectivas para o futuro, Elizabeth pretende levar o conhecimento da pesquisa para as escolas. Seus atuais orientandos, alunos de Licenciatura em Dança, pelo Instituto Federal de Brasília (IFB), trabalham com o ensino especial. “Passo a linguagem adiante para esses professores poderem atuar sob este olhar sensível, nas escolas públicas. A meta é formar multiplicadores desta técnica, pois meu grande sonho é treinar pessoas para se chegar ao maior número possível de crianças”. Elizabeth destacou também que pretende fazer algo pela UnB, especialmente desenvolvendo um trabalho semelhante no Hospital Universitário da UnB (HUB).


TRAJETÓRIA –
 A bailarina Elizabeth Maia formou-se em dança contemporânea e terapia através da dança pela Faculdade Escola Angel Vianna, no Rio de Janeiro em 1992. Após contato com o bailarino tetraplégico norte-americano Bruce Cortes, Elizabeth tomou gosto pela causa da inclusão social e adotou-a em seus estudos já no início da carreira. Foi pioneira no Brasil na área de reabilitação hospitalar, implantando a dança na reabilitação de pacientes com comprometimentos neurológicos nos hospitais da Rede Sarah Kubitschek, em 1993.


Em seguida, graduou-se em fisioterapia e concluiu a especialização em fisioterapia neurofuncional pela Escola Superior de Ensino Helena Antipoff, da Sociedade Pestalozzi do Rio de Janeiro, em 2003. Elizabeth tem experiência na área de Fisioterapia Neurofuncional com ênfase em Educação Somática e experiência em dança contemporânea com ênfase em dançoterapia. Atua como docente no Instituto Federal de Brasília (IFB) no curso de Licenciatura em Dança.