Estudo da UnB mostra motivações e resistências dos dependentes de álcool na busca por serviço especializado.

Foto: Luana Lleras/UnB Agência

Medo de lavagem cerebral, overdose de remédios ou de ficar preso numa clínica são as principais causas apontadas por alcoólatras para não buscarem tratamento contra a doença. Pesquisa do psicólogo Luiz Felipe Castelo Branco revela ainda que a decisão de buscar o tratamento por conta própria só ocorre em situações extremas de solidão, desemprego ou quando os problemas de saúde e familiares se agravam. O estudo é resultado de dissertação defendida no Instituto de Psicologia, da Universidade de Brasília.


O especialista entrevistou nove alcoólatras durante os meses de dezembro de 2008 e janeiro de 2009. Todos atendidos no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (Caps II), entidade ligada à Secretaria de Ação Social do Governo do Distrito Federal e que funciona no Guará. Com idade entre 30 e 51 anos, o grupo apresentava uma peculiaridade: procuraram o tratamento por conta própria. Segundo Luiz, muitos que chegam ao centro são encaminhados pela justiça, colegas de trabalho ou por familiares.


O pesquisador conta que os entrevistados chegaram ao Caps II muito debilitados e depois de perderem referências sociais, como o convívio com a família. No consultório, Luiz buscou valorizar a iniciativa da busca pelo tratamento com as próprias pernas. “Se eu entender os motivos que levam as pessoas a pedirem ajuda, posso oferecer uma melhor adesão e torná-lo mais eficaz”, explica.


A descoberta da imagem equivocada do tratamento ocorre logo na chegada ao centro. “Poucos sabem da reforma psiquiátrica antimanicomial. Eles achavam que ficariam presos, amarrados e loucos. E até tinham razão, porque, antigamente, o tratamento era exclusivamente em regime de internação e medicamentoso”, conta Luiz Felipe sobre a Lei nº 10.216 de 2001. Ao invés de isolar o paciente, comenta o autor da pesquisa, a nova legislação garante o convívio com a família, amigos e os colegas de trabalho.


DIÁLOGO -
Luiz Felipe conta que o tratamento no Caps II, até o final do ano passado, esteve fundamentado em registros que se limitavam a descrever se a pessoa bebeu ou deixou de beber. “Chamou minha atenção que não tinha, no prontuário, a história de vida desses sujeitos, suas angústias e seus problemas”, observa. “Quando uma pessoa fica viciada, significa que alguma coisa em sua vida não anda bem”, defende o pesquisador.

A.S., funcionário público, 43 anos, conta que ficou surpreso quando passou pelo acolhimento no centro. “Pensava que ia lá pegar um remédio e não sentiria mais vontade de beber, mas foi muito mais que isso. Pude falar da minha vida e acabei descobrindo os motivos que me levavam a beber”, conta. O caminho até a sobriedade foi difícil. Desafiou mais de uma vez a sua força de vontade. Durante cinco anos, A.S. ficou internado em uma clínica particular e procurou duas vezes serviços gratuitos.


Agora que está há quase um ano sem beber, ele conta que sente orgulho por estar livre do vício. “Mesmo que eu tenha recaído outras vezes, não desisto. Eu me sinto muito capaz. Sei que vou conseguir, porque já está dando certo esse tratamento”.


SITUAÇÃO DE RISCO –
A assistente social Cláudia Merçon explica que o tratamento na rede pública de atendimento vai além do uso de medicamentos e do controle da abstinência. “Fazemos intervenções para que os pacientes descubram quais são as situações de risco a que eles se expõem. Precisamos entender os motivos que levam esses sujeitos a procurarem as drogas. Existe um contexto importante que não é considerado se o foco for a medicação e a abstinência”, afirma a funcionária do programa de Alcoolismo do Hospital Universitário de Brasília (HUB).


O médico Ricardo Jacarandá, responsável pelo atendimento dos pacientes no programa, ressalta que a internação é uma saída apenas para síndromes de abstinência, pico hipertensivo, alucinações e convulsões. “Quadros mais graves são encaminhados para a internação até que o paciente esteja com a saúde restabelecida. Os demais devem receber outras formas de apoio”, explica. Dados do Ministério da Saúde revelam que cerca de 6% da população brasileira apresenta transtornos psiquiátricos graves decorrentes do uso de álcool e outras drogas.