Professor da UnB alerta para riscos de conflitos étnicos na Amazônia e questiona parceria comercial estratégica baseada principalmente em commodities.

São grandes os riscos de surgirem conflitos étnicos na Amazônia, segundo o professor Argemiro Procópio do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. No livro Subdesenvolvimento Sustentável, o professor fala de um aspecto pouco divulgado sobre a região amazônica: a existência de colônias chinesas e indianas na Guiana e no Suriname. “Essa é uma vizinhança esquecida, mas muito importante”, afirma. O professor explica que o singular processo de colonização oriental na Amazônia, que também abriga uma população negra expressiva, vem de longe: já no século XIX os holandeses trouxeram para o Suriname mão de obra indiana, paquistanesa e javanesa. “Usando a cumplicidade em que se transformou o subestimar histórico dado pela diplomacia brasileira e venezuelana à Guiana e ao Suriname, o fenômeno da asiatização amazônica vive da força econômica chinesa, da tenacidade cultural indiana e da fé islâmica de javaneses e paquistaneses”, critica Argemiro na abertura do capítulo do livro dedicado ao assunto.


A crescente presença chinesa na América do Sul também é um dos temas abordados pela obra, focada principalmente nas relações internas e externas dos nove países amazônicos: Brasil, Equador, Bolívia, Peru, Colômbia, Guiana, Guiana Francesa, Venezuela e Suriname. Em um dos capítulos, o professor cita alguns dos grandes empreendimentos e parcerias da China no continente - como um negócio bilionário que envolveu Pequim, a Petrobras e o petróleo: em maio de 2009, a Petrobras assinou acordos com o Banco de Desenvolvimento da China (BDC) e com a China Petrochemical Corporation (Sinopec), obtendo empréstimo de US$ 10 bilhões do BDC e comprometendo-se a fornecer à Sinopec 150 mil barris de petróleo por dia, em 2009, e 200 mil barris por dia entre 2010 e 2019. Ao mesmo tempo, a estatal China National Petroleum Corp detém parceria com a venezuelana PDSA para a construção de uma refinaria de petróleo em poços do Rio Orinoco, na Venezuela. No Equador, a chinesa Sinopec retira e transporta o combustível - ao passo que, no Peru, a Chinalco e a Shougang Group exploram minas de ferro e de cobre.


A China é de fato o principal parceiro comercial do Brasil, sendo responsável por 17% do comércio exterior do País, segundo dados do Ministério da Fazenda. Apesar da importância estratégica da China, porém, o professor avalia que a aproximação dos dois países deve ser vista com cautela. “Os mencionados investimentos são positivos porque a China quebra o monopólio da exploração de matéria-prima dos EUA e de alguns países europeus no coração amazônico, mas igualmente apresentam facetas negativas”, afirma o professor. “As nações amazônicas exercem, outra vez, o papel de exportadoras de produtos primários sem valor agregado na composição das forças Sul/Sul do mundo pós-ocidental”, explica.


COURO - 
No livro, o professor aborda questões pouco divulgadas acerca da floresta amazônica, como o contrabando de couro na região. “Grande parte do rebanho do país está justamente nos estados amazônicos – Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Pará - mas pouca gente se dá conta de que onde se produz carne se produz couro.” De outro lado, argumenta o professor, o Brasil importa da China, por um valor baixíssimo, boa parte dos sapatos consumidos no país. “Como pode a China - que quase não tem bois - ser o maior exportador de calçados? Os baixos preços decorrem justamente do uso do couro produzido aqui e contrabandeado."


Argemiro alerta para o fenômeno da reprimarização da economia brasileira. “Os produtos industrializados têm um espaço cada vez mais acanhado”, afirma. “Estamos voltando a investir no comércio de produtos com pouco valor agregado.” O professor lembra que o Brasil é atualmente o maior produtor mundial de pedras preciosas. “Esses produtos não servem apenas como adornos e jóias - pedras preciosas estão na alta tecnologia”, diz. “As safiras, por exemplo, são matéria-prima para aviões espiões norte-americanos.” Segundo ele, pedras e cristais também acabam saindo do país ilegalmente, contrabandeados para usos industriais com valor agregado bem mais alto.


“Isso mostra a importância da universidade e do conhecimento”, afirma Argemiro. “É só perceber como um quilo de satélite vale milhões de toneladas de carne ou soja." No livro, o professor também chama a atenção para a necessidade de uma mudança de valores. “O consumismo tem de dar lugar à filosofia do bem-viver, que privilegia a qualidade de vida”, defende. No livro, Argemiro argumenta em favor de uma economia desmaterializada, que exija menos dos recursos naturais. “O mundo ainda acha que o meio ambiente não é essencial”, observa.