O conflito armado entre 1992 e 2002 no país foi sustentado por redes de interesses comerciais e políticos.

A queda da ditadura Salazarista em Portugal em 1974 e a subsequente independência de Angola,  no ano seguinte, não foram suficientes para tornar o país democrático e livre de opressão. Os conflitos pelo poder entre os movimentos locais repercutiram em todo o mundo durante décadas. Mesmo com o trabalho das missões de paz, a guerra custou a terminar. Os interesses comerciais e políticos dos grupos angolanos que disputavam o poder - e das nações que os apoiavam - sustentaram o conflito.


A hipótese levantada por James Tiburcio na dissertação de mestrado “Guerra e Paz em Angola”, defendida em 5 de junho de 2009, considerou os últimos dez anos do conflito, entre 1992 e 2002. As considerações inéditas feitas por ele mostram análises históricas e políticas diferentes das convencionais. A ideia da pesquisa é usar o conceito de guerra em rede, que possibilita negócios e lucros quase ilimitados por conta das conexões que a sustentam.

O estudante, que morou alguns anos em Angola neste período de conflito armado, intrigava-se com a duração da guerra. "Embora diferentes analistas insistam em responsabilizar as missões de paz pela derrocada do processo, as evidências mostram que a guerra foi permitida pela criação e manutenção de redes de sustentação", conclui.

Essas redes de sustentação em Angola formadas por contatos e relações de interesses comerciais e políticos foram mais fortes que a população angolana e a comunidade internacional. Prova disso, segundo o pesquisador, é o período em que o líder dos rebeldes, Jonas Savimbi, foi capaz de forjar uma forma de legitimidade de poder e adquirir o “direito” de exploração de diamantes por meio da ocupação militar dessas áreas. Recursos como esse eram usados para financiar o conflito entre o governo – que na época já havia renunciado o  socialismo e era reconhecido pelos Estados Unidos.

Os acordos sobre a exploração petrolífera ao longo da guerra também mostram como as redes de sustentação tinham poder. “O petróleo de Angola estava nas mãos de americanos e franceses, em um país sustentado pela antiga União Soviética e apoiado pelas tropas cubanas, ambos socialistas", esclarece Tiburcio, lembrando que o mundo vivia o período da Guerra Fria. "Imagine lutar em uma guerra na qual a própria liderança do conflito contradizia o que dizia acreditar”, afirma.

Se a guerra em Angola chegou ao fim, não foi por meio das missões de paz, mas sim pela vitória militar, quando o líder dos rebeldes, Savimbi, foi morto.

METODOLOGIA - James Tiburcio analisou documentos e reportagens da imprensa, livros especializados e artigos mais recentes sobre o tema. Ele afirma que a guerra em rede é uma forma extrema da concorrência existente entre sistemas de autoridade regulatória do Estado e, em Angola, esteve ligada ao modo como os mercados eram controlados e integrados à economia global.

A dissertação analisou a história contemporânea de Angola para buscar as causas e as interpretações feitas para o conflito armado angolano na literatura especializada. Dois objetos traçam a linha da pesquisa. O primeiro é um levantamento sobre a luta pelo poder desde o colonialismo. O segundo, mais importante, é um exame do entrelaçamento dos atores e dos fatores que proporcionaram a continuidade do conflito.

INTERFERÊNCIAS – Os quatro conjuntos descritivos e teórico-paradigmáticos presentes na literatura especializada, a cultura política, a pobreza, a riqueza e os recursos naturais, explicam as diferentes fases do conflito que se estendeu de 1975 até 2002  e, como  diferentes fatores e atores interferiram no conflito.

As motivações de diversos atores ao longo de quatro décadas mostram a conectividade inter e intra-redes associada aos indivíduos, instituições, missões de paz e oportunistas que fortalecem  a hipótese da guerra em rede. “A guerra, de fato, foi possibilitada pela criação e manutenção de redes de sustentação contínuas”, conclui o pesquisador.

Para o orientador, chefe do Departamento de História e professor adjunto do Instituto de Relações Internacionais, Wolfgang Döpcke, foi uma dissertação de mestrado rica. “Em primeiro lugar, porque a pesquisa trata de questões africanas. É raro encontrar um aluno neste campo e ele não é um estudante comum, pois passou a adolescência em Angola. James conseguiu fazer desta experiência pessoal um empreendimento acadêmico”, afirma.

“Não existe um particularismo africano para os conflitos, embora alguns fatores nos auxiliam a melhor entender os desafios do continente. A própria instrumentalização da política pelas elites é uma delas. A luta pelo controle e usufruto dos recursos naturais e as explorações políticas sobre as questões étnicas também predominam nas análises”, afirma Tiburcio.