Mapeamento do genoma dos organismos foi realizado em tempo recorde no Distrito Federal e pode garantir descoberta de enzimas necessárias à produção do biocombustível.

Duas bactérias presentes no bolo alimentar de cabras brasileiras, da raça moxotó, podem ajudar na produção de etanol de 2ª geração, produzido a partir do bagaço da cana de açúcar. É o que apostam os pesquisadores da Universidade de Brasília que há um ano se debruçam em estudos sobre o tema.


Uma das etapas mais importantes foi garantida há um mês, quando os cientistas sequenciaram o genoma das duas bactérias. O mapeamento levou apenas dez horas, tempo recorde no país, e foi o primeiro realizado no Centro de Genômica de Alto Desempenho do DF, inaugurado há um ano. Sem o equipamento, o trabalho levaria meses para ser realizado.


O sequenciamento vai permitir a descoberta das enzimas com maior potencial para serem usadas comercialmente. Elas servem para degradar a celulose encontrada no bagaço da cana-de-açúcar, que, ao passar por uma rodada de fermentação, gera glicose, condição para produzir o etanol de 2ª geração. “O bagaço muitas vezes não tem utilização. A nossa intenção é aumentar a produção e reduzir o custo”, explica o professor Marcelo Valle de Sousa, do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília e coordenador do Núcleo de Genômica, Proteômica e Enzimologia de Fungos e Bactérias Anaeróbicas Lignocelulolíticos. "Foi um feito inédito no Brasil", comemorou o professor.


A fermentação é um processo que gera calor. Essas duas bactérias, chamadas de Morella thermoacetica e Clostridium thermocellum, são termoestáveis, ou seja, resistentes a altas temperaturas. Elas foram escolhidas para a caracterização porque são campeãs em produção de enzimas. Os pesquisadores ainda não comprovaram, mas acreditam que essas enzimas também não sofrem alteração em temperaturas elevadas. “Se nós conseguirmos fazer a produção dessas enzimas em grande escala, em parceria com empresas, ficaria mais barato produzir o etanol”, justifica o pesquisador. “Um empresa dinamarquesa vende enzimas para o mesmo fim, mas o custo é alto”, explica Marcelo.


A professora Eliane Noronha, do Instituto de Ciências Biológicas, que também faz parte do projeto, conta que o próximo passo da pesquisa será selecionar as enzimas com maior potencial para serem usadas comercialmente. “Todas as técnicas conhecidas até agora não são econômicas o suficiente para serem usadas na indústria”, afirma.


Quando a enzima for descoberta, uma possível estratégia será incorporar o gene da bactéria em leveduras, fungos que já são usados na produção de etanol. “Assim o mesmo organismo poderia ser empregado nos dois processos, ou seja, na produção de etanol de 1ª e de 2ª gerações”, explica. “Isso resultaria em um processo ainda mais econômico para as empresas”, completa Eliane.


Além de degradar o bagaço de cana-de-açucar, as enzimas podem atuar em fibras de bananeiras, usadas também para a produção de etanol. Fármacos e cosméticos também podem ser produzidos. Servem, por exemplo, para amaciar tecidos e massa de pão, além de tratar papel, deixando-o branco. “As enzimas podem ser utilizadas em vários biomateriais que contém celulose. Podemos transformar o que é rejeito em utilidade”, afirma Marcelo Valle.


CUSTO –
Além dos professores da UnB, participam do estudo pesquisadores da Universidade Federal de Goiás, da Embrapa Agroenergia e da Universidade Católica de Brasília (UCB), além de estudantes desde a iniciação científica até o pós-doutorado. O grupo foi contemplado com R$ 1,5 milhão do edital do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex) e já recebeu R$ 500 mil.


Por enquanto, o dinheiro foi utilizado para pagar as bolsas dos estudantes, comprar equipamentos e reagentes importados. Pesquisador da UCB, que fará a parte de Bioinformática, vai organizar o banco de dados. A Embrapa entrará com as estratégias futuras para a produção em grande escala.