Estudo iniciado como tese de doutorado da UnB agrega pesquisadores de cinco outras instituições nacionais e internacionais.

Um projeto multidisciplinar nascido na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília encontra apoio e difusão internacional. Os professores Francisco Assis Rocha Neves e Angélica Amorim Amato, integrantes do Laboratório de Farmacologia Molecular do Curso de Ciência Farmacêutica, articularam projeto de pesquisa na área de desenvolvimento de novos medicamentos para controle do diabetes e encontrou eco através de publicação, em agosto de 2012, no Journal of Biological Chemistry, revista norte-americana de referência para a comunidade científica mundial. 


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O projeto inicial surgiu do doutorado de Angélica Amorim Amato. A tese da professora se propunha  a descrever uma nova droga, o GQ-16, um agonista do receptor nuclear PPAR gama. Tal composto foi analisado em vários pormenores, em uma procura complexa no sentido de identificar nele a possibilidade de uso no tratamento do diabetes tipo 2, que representa mais de 90% de todos os casos de diabetes entre adultos. Francisco Neves afirma que, de acordo com os resultados de estudos parciais, o composto GQ-16 pode funcionar como modelo de ativação mais seguro para o receptor – este último definido pelo professor como “um mediador dos efeitos do composto”.


Angélica Amato acrescenta: “No trabalho desenvolvido aqui no Laboratório de Farmacologia Molecular, mostramos que talvez esse receptor possa ser ativado de uma forma mais segura pelo GQ-16 ou outros compostos que se liguem ao receptor de modo semelhante ao GQ-16”.


Para o pleno funcionamento da empreitada, Angélica Amato contou com a colaboração de pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade de Campinas (Unicamp), Universidade de São Paulo (USP) e USP de São Carlos. “Vários compostos foram sintetizados na UFPE, uma biblioteca deles. Entramos em contato e, a partir daqueles cedidos pelos pernambucanos, escolhemos o GQ-16. Esse composto foi caracterizado de diversas formas, para que se entenda melhor o seu mecanismo de ação”, explica Angélica Amato.


Para ela, é fundamental a coleta de informação e material em outras instituições para abarcar a complexidade do assunto. “Para esse tipo de experimento, cada grupo domina uma determinada técnica. O grupo da UFPE, por exemplo, sintetiza os compostos. Aqui na UnB, trabalhamos com a caracterização farmacológica do GQ-16, enquanto na Unicamp procuraram estudos com um modelo animal de obesidade e diabetes. São diferentes técnicas, que se complementam”, completa. Os resultados iniciais trouxeram um grande interesse do Instituto de Pesquisa do Hospital Metodista de Houston, que também acompanharam o processo em contato permanente.


DIABETES - 
Embora não traga, a curto prazo, a possibilidade de aplicação clínica imediata com a disponibilização de uma nova droga para o público, o estudo aponta que a ativação do receptor PPAR gama provocada pelo composto já demonstra características diferentes do que é observado em relação a medicamentos que ativam o receptor e que estão disponíveis no mercado para o tratamento do diabetes tipo 2. Atualmente, existem apenas dois medicamentos para o tratamento da resistência insulínica associada ao diabetes tipo 2. Um deles é o metforfina - “um medicamento muito antigo utilizado há cerca 50 anos, mas que apresenta algumas limitações”, na definição de Francisco Neves. A outra droga é a chamada pioglitazona, que atua sobre o PPAR gama, o receptor que o grupo do Laboratório de Farmacologia Molecular estuda.


Outros medicamentos que ativam o PPAR gama já foram desenvolvidos e utilizados no tratamento do diabetes tipo 2, porém foram retirados do mercado em função de toxidade. “A rosiglitazona, medicamento com a mesma ação e comercializado anteriormente, foi retirada do mercado por estar associada à morte por ataque cardíaco”, exemplifica Francisco Neves. A pioglitazona permanece no mercado brasileiro, mas está sob vigilância e suspeita de aumentar o risco de câncer de bexiga. Por essa razão, a Agência Francesa de Medicamentos, por exemplo, decidiu suspender seu uso no país. A pioglitazona também passa por provação em outros países.


Francisco Neves explica: “É uma boa droga para o controle da taxa de glicose no paciente com diabetes tipo 2, mas associada a vários efeitos adversos: aumento do risco de osteoporose, além de ganho de peso e retenção de água, levando a inchaço e à piora de pacientes com problemas cardíacos. Agora, com a possibilidade do câncer de bexiga, há muitos países que vetaram a pioglitazona e hoje não têm outro medicamento para ativação do receptor”.


Os testes com o GQ-16, ao contrário, detectaram que o composto controlou a glicose de animais obesos diabéticos sem resultar em ganho de peso e retenção de água. A pesquisa demonstrou os mecanismos bioquímicos celulares e moleculares envolvidos na melhora do controle da glicose pelo uso do GQ-16. “O receptor em que o GQ-16 atua é hoje um alvo para medicamentos usados em tratamento do diabetes. O problema é que esses medicamentos, em sua maioria, ativam o receptor de uma maneira considerada forte, e esse padrão de ativação pode explicar alguns dos efeitos adversos observados em pacientes tratados com esses medicamentos”, confirma Angélica Amanto.


Os estudos com o GQ-16 identificaram, por meio de ensaios de cristolografia e de dinâmica molecular, que o composto se liga ao receptor PPAR gama de forma completamente diferente que a rosiglitazona e pioglitazona. Esse modo de ligação distinto pode, no futuro, explicar por que o GQ-16 não está associado aos efeitos adversos observados com o tratamento com a rosiglitazona e a pioglitazona e servir de base para o desenvolvimento de outros medicamentos.


“Não se pode dizer ainda que esse composto será um novo medicamento para o tratamento do diabetes, mas é possível que ele funcione como um modelo de ativação mais segura do receptor, que preserve apenas seus benefícios. Há uma série de análises a serem feitas, como estudos toxicológicos e investigação de seus efeitos sobre o osso, mas estas são as primeiras respostas que encontramos. E o objetivo final, comum a todos os estudos com compostos que atuam sobre o PPAR gama, é oferecer novos medicamentos, seguros e efetivos, para o tratamento do diabetes tipo 2”, diz Angélica Amato.


“Mesmo que o GQ-16 não possa ser considerado ainda um composto ideal, a forma com que ele se liga ao receptor, diferente da forma com que os compostos utilizados na prática clínica e associados a efeitos adversos se ligam, pode ser considerada uma pista sobre como ativar o receptor de forma segura. O caminho pode estar por aqui”, endossa Francisco Neves.


EPIDEMIA –
 O diabetes tipo 2 constitui hoje uma epidemia mundial e o percentual de aumento nos últimos anos tem sido mais alarmante em países em desenvolvimento. Em alerta, o professor Francisco Neves compara duas pesquisas da Sociedade Brasileira de Diabetes em períodos distintos. Estudos publicados em 2004 apontavam que no Brasil havia cerca de 4,6 milhões de diabéticos. A estimativa é que em 2030 haveria 11 milhões de brasileiros diabéticos.


Na ocasião, houve quem entendesse o número como superestimado, mas o tempo mostrou o contrário: o Brasil atingiu a marca já em 2012, com 18 anos de antecedência. “Há questões genéticas envolvidas, obviamente, até porque os diabéticos hoje vivem bem mais, geram mais filhos e, com isso, passam às próximas gerações a propensão à doença”, explica Francisco Neves. Contudo, os fatores ambientais, representados sobretudo por  alimentação inadequada e sedentarismo, ainda são decisivos para o aumento da frequência da doença.


“É importante divulgarmos esse estudo porque mostra que a Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília está atenta a essa realidade e preocupada com o desenvolvimento de novos medicamentos”, conclui o professor Francisco Neves. "Além disso, estamos esperando a chegada de novos jovens talentosos ao Laboratório  de Farmacologia Molecular para que possamos agregá-los às pesquisas que estão sendo desenvolvidas", acrescenta.