Estudo faz parte de tese de doutorado em Artes Cênicas na UnB e une ineditismo temático, construção de memória e abordagem interdisciplinar

Arquivo Pessoal

 

Cristina Leite leciona português e é estudante de doutorado no Departamento de Artes Cênicas (CEN/IDA). Lá, pesquisa, sob orientação da docente Luciana Hartmann, o papel do curso A arte de contar histórias (oferecido pela Secretaria de Educação do Distrito Federal, SEEDF, desde 1999) na formação continuada de professores da rede pública de ensino.

“Por meio da contação de histórias, busca-se uma aproximação prazerosa entre leitor e leitura, uma experiência estética mais que necessária”, diz Cristina que está reunindo e registrando as memórias dessa bem-sucedida experiência artística e pedagógica que acontece há mais de vinte anos nos Centros de Vivências Lúdicas Oficinas Pedagógicas (CVLOP) vinculados à Subsecretaria de Formação Continuada dos Profissionais da Educação (Eape/SEEDF) e que já beneficiou, indiretamente, mais de cem mil estudantes no DF.

Utilizando os princípios da ludicidade, da educação criadora e da educação do sensível, A arte de contar histórias é um dos mais de 350 cursos ministrados por esses Centros. As atividades têm contribuído para o desenvolvimento das práticas pedagógicas em todos os níveis e modalidades de ensino, da educação infantil ao ensino médio, na educação profissional, especial e de jovens e adultos, por exemplo, inclusive nas áreas de exatas, como matemática e física.

TRAMPOLIM – Além de tornar o processo de ensino-aprendizagem mais prazeroso, o curso, de acordo com a pesquisadora, tem ajudado a criar novas possibilidades de atuação docente e a enriquecer a cena cultural da cidade.

 

“São vários os relatos de professores que passam pela readaptação por limitações laborais e, em um momento difícil da carreira, encontram no curso estímulo para atuarem de forma eficaz nas salas de leitura e bibliotecas; além disso, são vários os egressos que, após a aposentadoria, momento em que é recorrente o adoecimento devido à mudança de rotina, encontram nova forma de atuação, especialmente com o voluntariado”, cita.

Cristina aponta que muitos egressos levam o que foi aprendido para além da sala de aula, tornando-se contadores profissionais ou participando de grupos de contação de histórias. Há aqueles que se tornaram escritores por terem se aproximado, a partir do curso, da literatura infanto-juvenil.

 

Ponto importante a destacar diz respeito à tônica terapêutica inerente às histórias, diz ela. “Cabe esclarecer que este não é o objetivo do curso, mas é uma consequência recorrente relatada por muitos que passam pela experiência: de o curso ser um respiro na semana, um espaço de nutrição para os participantes”, observa.

Cristina Leite (à esquerda) e a docente e orientadora do doutorado, Luciana Hartmann. Foto: Arquivo pessoal

 

Há relatos, destaca a doutoranda Cristina Leite, de profissionais que gostariam de ter participado da formação no início da carreira, para que pudessem ter tido uma atuação mais leve junto aos estudantes, bem como há outros, de quem participou no início da trajetória, e as vivências do curso puderam acompanhar até a aposentadoria.

 

“O curso também desperta a vontade de seguir investindo na formação continuada, com a participação em outros cursos sobre o tema, inclusive fora do DF ou mesmo participando do curso mais de uma vez”, diz a pesquisadora.

 

TRANSFORMAÇÃO PROFISSIONAL E PESSOAL – Cerca de 4 mil professores de todas as regionais de ensino já participaram dessa formação. De acordo com Cristina Leite, há inúmeros relatos da importância desse curso para a trajetória pessoal e profissional dos participantes.

 

É o caso da professora da rede pública do DF Débora Vieira que dá o seu depoimento ao lado de outros professores no documentário Memória Viva do curso A arte de contar histórias, filmado pela própria pesquisadora, ela mesma uma ex-aluna. “Foi um curso muito pulsante, muitas professoras da minha escola participaram. Então nossos encontros semanais eram recheados de muitas histórias e atividades artísticas”, conta Débora.

 

“A Oficina criou uma coisa tão diferente dos outros projetos. Já trabalhei em inúmeros projetos na Secretaria [SEEDF], mas a experiência do coletivo de fato eu só vivi na Oficina Pedagógica”, diz a professora Cristina Ferreira, também ex-aluna e ex-docente do curso.

 

“Este tema mudou a minha vida”, conta a pesquisadora Cristina Leite. “Participei como cursista desta formação em 2007, na Oficina Pedagógica de Ceilândia e, como relatam muitos docentes, foi um divisor de águas na minha própria trajetória", descreve.

 

A doutoranda prossegue o relato: "Pude despertar a contadora de histórias que habita em mim e, melhor do que isso, pude aplicar os conhecimentos imediatamente em minha prática pedagógica, a qual foi transformada completamente; tornou-se mais dinâmica, significativa e lúdica, conquistando maior envolvimento dos estudantes dos anos finais do ensino fundamental".

 

Segundo a pesquisadora, a experência foi definidora. "Apesar de ser professora de língua portuguesa, foi a partir do curso que pude vivenciar estratégias lúdicas e artísticas que possibilitam, de forma mais efetiva, que a leitura possa ser trabalhada com prazer. Foi um caminho sem volta, felizmente”, recorda.

INEDITISMO, MEMÓRIA E INTERDISCIPLINARIEDADE – Professora do Departamento de Artes Cênicas (CEN/IDA) e orientadora da pesquisa, Luciana Hartmann destaca que a tese que está sendo desenvolvida por Cristina Leite é importante porque realiza dois feitos.

 

Ao mesmo tempo em que divulga uma experiência inédita e única no país sobre um curso para formação de professores contadores de histórias, também registra uma prática de ensino-aprendizagem ainda pouco documentada, apesar do impacto social e cultural do trabalho desenvolvido pelos Centros de Vivências Lúdicas Oficinas Pedagógicas desde a sua criação, em 1986, na capital federal.

A interdisciplinaridade é outro ponto destacado pela professora. “O curso já teve cerca de 4 mil professores envolvidos e a gente pode calcular e projetar o impacto disso em sala de aula, no Distrito Federal especificamente”, reitera. “Então esse é um dos pontos fundamentais."

 

"A pesquisa da Cristina tem esse caráter inédito e une também um fator de interdisciplinaridade, pois é uma pesquisa feita dentro do Departamento de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UnB por uma professora da Secretaria de Educação, ligando aspectos arquivísticos, de história oral, de arte e de educação”, destaca a orientadora.

Luciana conta que Cristina se debruçou em arquivos da Eape, do núcleo das Oficinas Pedagógicas da SEEDF, visitou todas as regionais de ensino. Realizou também “rodas memográficas” com professores, muitos dos quais já aposentados, que participaram de alguma das edições do curso A arte de contar histórias. O uso de recursos audiovisuais é apontado pela orientadora como outro destaque da pesquisa.

Programação em agosto marca a Semana da Formação Continuada. Imagem: Divulgação

 

“Cristina reúne o conhecimento não apenas em uma tese de doutorado, mas também em um documentário que ajuda não só a valorizar as vozes desses professores, mas também a divulgar para a comunidade a importância desse tipo de ação da Secretaria de Educação, uma ação de formação continuada que é fundamental”, diz.

 

“A gente vê todas as crises pelas quais a educação brasileira passa e, se houvesse mais iniciativas, mais apoio para a formação continuada dentro do horário de trabalho dos professores, certamente nós teríamos também uma educação mais rica e mais atualizada”, acredita a orientadora.

 

SEMANA DA FORMAÇÃO CONTINUADA – De 7 a 11 de agosto, será comemorada a Semana da Formação Continuada, com vasta programação na Eape. No dia 10, a partir das 14h, está prevista a pré-estreia do documentário de Cristina, Memória Viva do curso A Arte de Contar Histórias, em fase de finalização. O vídeo contou com o apoio do grupo de pesquisa Imagens e(m) cena, que fez o empréstimo de parte do equipamento para as filmagens.

“A ideia de se fazer o registro em audiovisual foi justamente para ampliar a visibilidade desta experiência que acontece no Distrito Federal, podendo ainda contar com o relato de várias colaboradoras que já estão aposentadas e que podem contar essa história”, diz Cristina.

“Tanto os memoriais (dos 14 CVLOP) quanto o vídeo, que são contrapartidas da minha pesquisa para o grupo, estão sendo submetidos à apreciação dos e das colaboradoras da pesquisa. Isso porque, no meu entendimento, trata-se de uma história coletiva e não posso estar falando sozinha sobre uma experiência que nasce, se nutre e permanece pela força do coletivo.”

 

Assista ao trailer do documentário:

 

 

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