Mestrando investiga o processo de produção de conteúdo, com o objetivo de encontrar uma metodologia mais adequada para ensino

Deyse Medeiros

 

A pandemia trouxe desafios para professores e estudantes de todos os níveis de educação. No ensino superior, as diferentes áreas do conhecimento foram afetadas pela nova rotina de aulas síncronas e assíncronas. No caso do curso de Música, as aulas de instrumentos e de práticas em conjunto encararam o desafio dos delays e das transmissões interrompidas em decorrência do sinal da internet.

 

Ao olhar para este cenário, o mestrando do Departamento de Música (MUS) da Universidade de Brasília Douglas de Oliveira Silva decidiu investigar o processo de produção de conteúdo para aulas on-line de seu curso. O objetivo é desenvolver um modelo que seja adequado especificamente para esta área do conhecimento, tornando o ensino e o aprendizado mais efetivos.

 

Em andamento, a pesquisa, orientada pelo professor do MUS Paulo Marins, já foi apresentada no mês de abril, em um congresso organizado pela Society for Education, Music and Psychology Research (Sempre), e será divulgada em julho na conferência promovida pela International Society for Music Education (Isme).

 

O mestrando conta que a experiência de participar do evento em abril, ainda que de forma remota, foi muito positiva. “Eles respeitam muito os pesquisadores brasileiros porque a gente tem uma capacidade de adaptação, de lidar com as tecnologias que a gente não tem e de tentar achar alguma alternativa para continuar ensinando. Me senti muito realizado ao ver que, mesmo diante das nossas dificuldades de pesquisa, de tecnologia, a gente foi muito bem recebido no congresso.”

 

TRAJETÓRIA – Aos 36 anos, Douglas tem experiência com aulas a distância tanto como professor quanto como aluno. Seu primeiro contato deu-se a partir da aquisição de fitas VHS com cursos de piano e teclado. Na sequência vieram os DVDs, até chegar às aulas disponíveis no YouTube. “Muito da minha formação passou por essas aulas em que eu não tinha contato direto com o professor. Era mediado por tecnologias”, lembra o pesquisador.

A pesquisa de Douglas Oliveira foi apresentada em abril, no congresso organizado pela Society for Education, Music and Psychology Research. Imagem: Reprodução

 

Quando ingressou na graduação em Música na UnB, em 2016, Douglas já atuava como professor de piano popular e dava aulas on-line para alunos no exterior. Eram brasileiros e estrangeiros que residiam no Japão, na Namíbia e na Bélgica, por exemplo. Assim, quando a pandemia de covid-19 teve início, em março de 2020, o então estudante de Música já possuía expertise no ensino a distância e desenvolveu seu trabalho de conclusão de curso sobre o tema.

 

A monografia Percepção de alunos sobre aulas on-line de Piano Popular concentrou-se em um lado do ambiente de sala de aula: os estudantes. Na pesquisa, Douglas identificou boa receptividade por parte dos alunos diante da nova realidade de ensino que se apresentava.

 

>> Leia o Trabalho de Conclusão de Curso de Douglas Oliveira na licenciatura em Música

 

Em 2021, ele concluiu a graduação e ingressou na pós, na linha de pesquisa sobre Processos de Formação em Música. “No mestrado, decidi me aprofundar nesse tema, mas olhando para o lado do professor, ou seja, quais estratégias os professores poderiam desenvolver para tornar as aulas mais atrativas”, explica Douglas, que no final de 2021 mudou-se para a Bolívia.

 

Já o professor Paulo Marins sempre se identificou com a área de tecnologia. Ele lembra que sua primeira experiência com a criação de conteúdo para aulas a distância ocorreu em 2001, quando ele cursava o mestrado nos Estados Unidos, na Indiana University.

 

Na época, ele trabalhou como auxiliar de produção de conteúdo para aulas on-line, ministradas por um professor do Departamento de Educação. “Foi a minha primeira experiência, criar conteúdo para a aula desse professor”, recorda.

 

O ingresso no corpo docente da UnB, em 2010, foi justamente para trabalhar no curso de licenciatura em Música a distância, que existe desde 2007. Ele avalia que desde então as tecnologias voltadas ao ensino sofreram grandes mudanças.

 

“Naquela altura você não conseguia fazer uma webconferência como a gente faz hoje. Precisava de uma estrutura. As coisas mudaram, o smartphone atualmente dá conta de muita coisa – não de tudo, claro. Eu vejo que hoje as coisas estão mais fáceis. A qualidade da conexão melhorou, por exemplo, porém foram criados novos desafios.”

 

PRÓS E CONTRAS – A vivência e a pesquisa de Douglas permitem identificar pontos positivos e negativos do ensino on-line de música. Para ele, existem algumas desvantagens que se modificaram ao longo do tempo – mas que ainda representam obstáculos ao aprendizado.

 

“Há uns dez ou 15 anos, era mais difícil se comunicar com o professor quando você tinha uma dúvida. Na época das videoaulas, eu não tinha como mandar um e-mail para a pessoa tirando a dúvida, ou se mandasse, a resposta demorava muito tempo a chegar”, lembra o mestrando.

 

“Hoje o ponto negativo é a quantidade de informação. Se você entra no YouTube e procura uma aula, tem muitas e às vezes elas demoram para começar no conteúdo que você busca”, avalia Douglas.

 

O mestrando e seu orientador, no entanto, concordam que o principal obstáculo do ensino remoto se deve a questões tecnológicas que provocam o delay, ou seja, o som chega com atraso, o que impossibilita a prática simultânea.

 

“Em alguns países já existem tecnologias que permitem tocar simultaneamente sem os problemas de atraso”, explica Douglas. Ele cita o exemplo do software LoLa (sigla para Low Latency), que permite a prática simultânea remota, mas tem um custo elevado e só funciona em redes de internet de alta potência.

 

Para driblar essa dificuldade, os alunos gravam vídeos individualmente e, por meio de um processo de edição, as imagens são justapostas e dão a impressão de que a prática ocorre simultaneamente.

 

Douglas ainda destaca que algumas dificuldades do passado foram superadas, como a comunicação entre alunos e professores: “Você tem os grupos de Telegram, toda uma comunicação mais direta com as pessoas que oferecem cursos pagos na internet. Você pode interagir no próprio vídeo do profissional, mandar uma dúvida e a pessoa já responde”, observa.

 

Além disso, as aulas on-line permitem reunir em uma mesma turma alunos e professores de diferentes lugares do país – e do mundo, como é o caso de Douglas, na Bolívia. “Pessoas que residem em regiões que não dispõem de uma faculdade de música ou de um instituto de música, podem ter aulas de forma remota. A tecnologia favorece nisso”, afirma o estudante.

Paulo Marins: “As coisas estão mais fáceis hoje, mas foram criados novos desafios”. Foto: Arquivo Pessoal

 

PRÁTICA DE CONJUNTO – Os alunos de graduação do Departamento de Música cursam uma disciplina obrigatória chamada Prática de Conjunto, que consiste na reunião de estudantes de diferentes instrumentos musicais para uma prática coletiva.

 

A disciplina era ministrada presencialmente por Paulo Marins, em estúdio, mas teve que ser adaptada ao formato remoto por conta da pandemia. “O pessoal vinha e fazia uma prática de conjunto normal. Gravava, fazia ensaios. Aí de repente foi tudo para o remoto. A dinâmica é diferente porque a gente ainda tem a limitação tecnológica”, explica o docente.

 

A solução foi partir para a prática assíncrona. “A pessoa traz a ideia, a gente ouve a música, muitos trazem composições próprias. Debatemos os arranjos e aí começa a colaboração a distância”, conta Paulo Marins.

 

Tradicionalmente, os alunos da disciplina promovem um recital ao final do semestre letivo. Neste último, a apresentação foi realizada na quinta-feira (5), por meio de uma transmissão ao vivo, que está disponível no YouTube.

 

Em sua pesquisa, Douglas inspirou-se na disciplina de Prática de Conjunto para começar a desenvolver um modelo para aulas assíncronas. Ele esclarece, no entanto, que a ideia é que a metodologia possa ser adaptada e utilizada em aulas de instrumentos.

 

PANDEMIA – Com a pandemia de covid-19, professores e alunos se viram obrigados a migrar repentinamente para plataformas digitais na tentativa de dar continuidade às aulas até então presenciais. Paulo explica que algumas plataformas identificaram a demanda de mercado entre os músicos e desenvolveram recursos específicos para atender a este público, o que gerou até mesmo produções científicas na área para avaliar as melhores plataformas para o ensino de música.

 

O professor explica que, historicamente, os músicos “entram de penetra nas invenções”. “O Skype não foi feito para música, nem o Zoom ou o Google Meet. Mas o fonógrafo, em 1877, também não foi feito para a música. Thomas Edson não o inventou para música, mas a gente chegou lá. Assim como os alemães não inventaram a fita magnética, na década de 1930, pensando na música, mas na espionagem de guerra – e a gente se apropriou dessa tecnologia.”

 

Diante deste cenário de adaptação, Douglas e Paulo observaram que muitos docentes tentavam transpor para o ambiente virtual as mesmas dinâmicas de uma aula presencial: com a mesma duração e os mesmos recursos (apresentação de slides acompanhada de explicação oral, por exemplo).

 

No entanto, ao mesmo tempo que os professores do curso concordavam que não era viável reproduzir a mesma lógica em ambientes tão diferentes, não havia um modelo para utilizar como referência diante do novo paradigma de ensino.

 

Foi quando Douglas se aproximou do conceito de Design Instrucional (DI) para desenvolver uma metodologia aplicada especificamente para o campo da música. Originalmente, a proposta surgiu entre as décadas de 1950 e 1960, voltada para o treinamento militar. Porém, com a difusão da informática, em meados dos anos 1990, os cursos de educação a distância (EaD) se popularizaram.

 

No Brasil, a partir dos anos 2000, o conceito de Design Instrucional passou a ser utilizado em diferentes áreas do conhecimento. “A gente está adaptando esse modelo e testando na educação musical”, explica Douglas. “Ele é dividido em cinco etapas e já é muito utilizado em cursos EaD para ter eficiência no ensino e na aprendizagem”, completa o mestrando.

 

As cinco etapas do DI consistem em: 1) identificar uma necessidade educacional; 2) projetar a solução; 3) desenvolver a solução; 4) implementar a solução; e 5) avaliar a solução.

 

Assim, a pandemia potencializou a vontade do pesquisador em entender como aprimorar a produção de conteúdo educacional em formatos digitais. E a trajetória de Douglas se insere, na avaliação de seu orientador, em um cenário que continuará avançando, mesmo com a volta das aulas presenciais.

 

“A EaD já estava aí antes da pandemia e vinha crescendo. Não é porque vamos voltar ao presencial que iremos descartar todo esse aprendizado”, afirma o professor.

 

“Por mais que o presencial volte, o curso a distância vai continuar. Aí o Douglas pode entrar com a contribuição dele. [A ideia é] ter conteúdos assíncronos para auxiliar o aprendizado e deixar o período do encontro para dúvidas, para assistir às práticas e comentar, por exemplo”, conclui Paulo.

 

Confira o recital da disciplina Prática de Conjunto do 2º/2021:

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