Estudo investiga as alterações causadas pelo agente infeccioso no órgão. Trabalho foi publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature

Peter Ilicciev/Agência Brasil

 
Pesquisa do Laboratório de Imunologia e Inflamação da Universidade de Brasília (Limi/UnB) indica que o vírus zika (ZIKV) ataca o intestino e causa modificações na microbiota intestinal, mudando a composição de bactérias que constituem o órgão e, também, desencadeando intensa inflamação no local. É a primeira vez que uma publicação científica mostra que o vírus zika pode causar danos ao intestino.

 

O trabalho, que foi publicado na Scientific Reports, do grupo Nature, considerada uma das mais importantes revistas científicas internacionais, investiga as modificações induzidas pela infecção decorrente do ZIKV no microbioma intestinal de imunocompetentes, que são os indivíduos que possuem resposta imunológica normal.

 

>> Leia a íntegra do artigo na Scientific Reports

 

A microbiota intestinal já vem sendo estudada pelo Limi em diferentes contextos, como o do câncer e o da obesidade. O vírus zika é investigado em uma grande linha de pesquisa existente no laboratório, em que são analisados os danos cerebrais e neurológicos causados pelo agente. Unindo os dois interesses, microbiota intestinal e zika, a equipe resolveu avaliar se a infecção causada pelo vírus teria um impacto no intestino, e para a surpresa dos pesquisadores, a dúvida se confirmou.

Parte da equipe responsável pela pesquisa, em ordem: os pesquisadores Rafael Correa, Heloísa Braz, Kelly Magalhães, Raquel Almeida e Gabriel Pasquarelli. Imagem: Arquivo pessoal

 

“O vírus zika causa uma modificação na composição das bactérias que vivem no nosso intestino. Ele causa um dano ao epitélio intestinal, uma intensa inflamação no intestino, e isso tudo em indivíduos adultos que têm a resposta imunológica normal (imunocompetentes)”, destacou a professora do Departamento de Biologia Celular da UnB e coordenadora do Limi, Kelly Magalhães, que está à frente do estudo.

 

A pesquisa teve auxílio financeiro do Ministério da Saúde, da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF), do Programa Pesquisa para o Sistema Único de Saúde (PPSUS) e também de um grupo na Universidade de McGill, no Canadá, junto à doutora Corine Moriz.

 

RESULTADOS – Os estudos mais recentes relacionados ao vírus zika mostram o impacto da infecção em recém-nascidos, em células neuronais indiferenciadas, porém, ainda não se discutia sobre a relação com o intestino. O artigo demonstra que a mudança da microbiota consequente da infecção pelo ZIKV pode vir a causar danos no epitélio intestinal (tecido constituído por células que revestem internamente o órgão) e um intenso recrutamento de leucócitos (células que atuam na defesa do organismo) para a mucosa intestinal.

 

Os pesquisadores realizaram somente testes em animais. Camundongos infectados com ZIKV tiveram a composição da microbiota intestinal analisada. Os dados mostraram que a infecção pelo vírus desencadeou a diminuição significativa de bactérias pertencentes aos filos Actinobateria – que desempenham importante papel na regulação da atividade intestinal normal – e Firmicutes – que possui tanto gêneros com atividade imunomodulatória benéfica como espécies associadas à indução de inflamação.

 

Por outro lado, também observou-se aumento em bactérias dos filos Deferribacteres – relacionadas ao balanço de ferro no intestino – e Spirochaetes – entre as quais, muitas têm ação patogênica –, em comparação aos camundongos não infectados.

 

Segundo Kelly Magalhães, as bactérias que vivem no intestino podem ser benéficas e maléficas ao organismo, e alterações em sua disposição podem levar a uma disbiose intestinal (desequilíbrio na flora bacteriana). A infecção pelo zika proporcionou o aumento na quantidade das bactérias que são maléficas ao intestino, estando estas relacionadas a um estado inflamatório do órgão.

Camundongos infectados (figura inferior) com ZIKV mostraram alterações significativas na microbiota intestinal, quando comparados aos não infectados (figura superior). Imagem: Reprodução/Limi

 

PRÓXIMOS PASSOS – Para a coordenadora do Limi, ter o trabalho publicado em uma revista renomada é algo para se ter orgulho, e com isso, a possibilidade da divulgação internacional do estudo se torna muito maior. A publicação é um marco por ser a primeira do mundo a tratar sobre o assunto. Como consequência, a equipe recebeu propostas, de institutos nos Estados Unidos e no Canadá, para colaborações na continuidade da investigação na linha de pesquisa.

 

>> Relembre outra pesquisa do Limi: Ômega-3 pode ser arma contra zika

 

De acordo com Kelly Magalhães, os cientistas pretendem continuar o estudo, agora, tentando entender qual o papel da microbiota intestinal na infecção pelo zika. Futuramente, as análises se estenderão a neonatos camundongos e bebês humanos afetados pelo vírus. “Vamos analisar essa microbiota intestinal, agora, numa infecção de indivíduos jovens, neonatos principalmente; tentar correlacionar e verificar se a infecção pelo zika vírus modifica a microbiota intestinal desses recém-nascidos; e também verificar o papel da microbiota na infecção com uso de antibióticos”, ressaltou a pesquisadora do Limi.

 

A intenção é investigar, nos próximos estudos, se a utilização de antibióticos adotados para depletar, ou seja, para retirar a microbiota intestinal, pode tornar a infecção pelo vírus zika mais severa ou mais branda nos indivíduos com sistema imunológico normal.

ATENÇÃO – As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seus conteúdos. Crédito para textos: nome do repórter/Secom UnB ou Secom UnB. Crédito para fotos: nome do fotógrafo/Secom UnB.