Na brinquedoteca do hospital, docentes e alunos da UnB compartilham conhecimento com pequenos pacientes por meio da experimentação. Iniciativa é de equipe do Instituto de Ciências Biológicas

Foto: André Gomes/Secom UnB

 

 

Sereia, leão marinho, pássaro e outras pinturas colorem as paredes da Brinquedoteca Renato Russo na internação pediátrica do Hospital Universitário de Brasília (HUB). No espaço com brinquedos pedagógicos, livros e televisão, o sorriso das crianças revela a alegria em escapar por algumas horas da monotonia característica de quartos hospitalares. Estar ali ficou ainda mais interessante com a chegada de estudantes e docentes que oferecem atividades divertidas e inovadoras.

 

“Eu nunca imaginei que teria uma brinquedoteca dentro do hospital. É muito legal vir para cá porque no quarto não tem nada para fazer, eu só fico esperando o tempo passar”, conta Kelisso Joel Campos, de 11 anos, após o segundo dia de internação. “Hoje quando a equipe chegou para abrir a sala, ele ficou super empolgado. Aqui ele se distrai, pode ler e brincar”, completa a mãe Keila Campos.

 

Joel, como gosta de ser chamado, é curioso e inteligente. Ele participou, com entusiasmo, de experimentos pedagógicos realizados na brinquedoteca. Um deles versava sobre as propriedades da água e consistia em encher um copo dosador de 10 mL – recipiente geralmente utilizado para tomar remédios como xarope. Após colocar o líquido até a borda do copo, o menino verificou, com auxílio de um conta-gotas, quantos pingos era possível adicionar sem que a água transbordasse.

 

“A água só derramou depois que colocamos 70 gotas além do que cabia no copo. Isso acontece porque as moléculas da água têm uma ligação forte e tentam ficar unidas para não derramar”, contou Joel sobre o aprendizado adquirido com a equipe do projeto de pesquisa O ensino de Ciências na classe hospitalar do Hospital Universitário de Brasília: descobrindo a natureza, integrado por docentes e estudantes do Instituto de Ciências Biológicas (IB) da Universidade de Brasília.

 

A atividade foi conduzida por Luana Alves, aluna do décimo semestre de licenciatura em Ciências Biológicas. “As moléculas de água ficam unidas por ligações entre seus átomos. É uma ligação forte, formando o que chamamos de tensão superficial da água. Isso cria uma camada que permite aos mosquitos andar por cima dela sem afundar. Vocês já viram isso?”, indagou a futura docente.

 

Seu questionamento foi respondido pela paciente Nayara Beatriz Rodrigues, de oito anos. “Eu já vi. É assim que o mosquito da dengue faz para colocar seus ovos”, disse ela com convicção. No início da experiência, sua estimativa era de que com três gotas o recipiente iria transbordar. A menina acompanhou o processo com uma lupa, o que a deixou maravilhada por ver tudo em tamanho aumentado. Quando o recipiente transbordou, Nayara comemorou vibrando.

 

Mas o que realmente encantou a pequena paciente foi outro experimento. Com caneta para quadro branco, Nayara desenhou em um prato de plástico. Em seguida, ela o encheu com água e pode ver o desenho se desgrudar do recipiente e boiar na superfície da água. “Isso é muito legal. Dá para desenhar no prato da mamãe sem ela brigar, porque a água faz a tinta flutuar”, expressou a criança, pedindo para repetir a “brincadeira” outras vezes. Joel completou a fala da colega ensinando o que tinha acabado de aprender: “a água é mais densa que a tinta da canetinha, por isso a tinta subiu”.

Foto: André Gomes/Secom UnB.
Joel participou de atividade sobre alimentação conduzida pelo estudante Gabriel Moura. Foto: André Gomes/Secom UnB

 

A equipe promove outras atividades. Uma delas aborda o conhecimento dos pequenos sobre alimentação. Para isso, eles recebem figuras de comidas a serem distribuídas em um painel com três cores: a cor verde é destinada a alimentos saudáveis e próprios para consumo diário; a cor amarela, àqueles que devem ser consumidos com moderação; e a cor vermelha, aos que devem ser evitados ou consumidos excepcionalmente.

 

SOBRE – Este projeto de pesquisa é realizado desde maio nas quintas-feiras pela manhã. O grupo atual é formado por duas docentes da UnB e por 12 alunos, em parceria com a equipe da pediatria do Hospital.

 

Segundo a docente do IB e coordenadora do projeto, Cristiane Russo, a iniciativa surgiu do desejo da graduanda Luana Alves de fazer uma intervenção didática no ambiente hospitalar. “Uma das disciplinas da licenciatura prevê que os estudantes realizem práticas didáticas fora do ambiente escolar. Foi então que a Luana manifestou interesse em elaborar um projeto a ser aplicado no HUB”, relembra.

 

No âmbito do Núcleo de Educação Científica da Biologia (NECBio), a graduanda integrou a equipe de docentes e discentes que por seis meses se dedicou à formulação do projeto. Em seguida, foi preciso aguardar um ano e meio para conseguir as devidas autorizações junto ao Hospital e ao Comitê de Ética em Pesquisa da UnB. “Pensamos em atividades de ciências que pudessem ser aplicadas com crianças de diferentes faixas etárias, porque o público é sempre bem variado. Estou amando ver o projeto em prática", compartilha Luana Alves.

 

Cristiane Russo explica que o objetivo é "despertar nas crianças e nos adolescentes o gosto por ciências e aproximar o conteúdo do dia a dia deles". Para isso, são realizados diversos experimentos. As atividades sobre higienização, por exemplo, incluem conhecimentos de microbiologia, que é o campo dedicado ao estudo de micro-organismos, como vírus e bactérias. Outros experimentos versam sobre alimentação e meio ambiente.

As professoras Ana Júlia Pedreira (na cadeira da esquerda) e Cristiane Russo com a equipe de estudantes de licenciatura em Ciências Biológicas. Foto: André Gomes/Secom UnB

 

A coordenação do projeto é compartilhada com a docente do IB Ana Júlia Pedreira. Segundo ela, há poucos registros na literatura científica sobre práticas pedagógicas com ensino de ciências em classes hospitalares do Distrito Federal. Por isso, a iniciativa tem oportunizado novos conhecimentos também às docentes. “Tem sido uma experiência enriquecedora para nós que atuamos com a formação de professores. Agora, queremos expandir o projeto para falar de ciências também com os pais das crianças”, comenta.

 

Outro aprimoramento a ser acrescentado já nos próximos dias é o uso de recursos digitais para abordar o conteúdo. "Percebemos que os adolescentes às vezes não querem participar das atividades porque elas acontecem na brinquedoteca. Eles acham que já passaram da idade de estar aqui. Aí pensamos em usar tablets como um atrativo", conta Ana Júlia Pedreira ao falar sobre cinco dispositivos eletrônicos cedidos pelo HUB para uso durante a classe hospitalar.

 

O projeto de pesquisa tem vigência de dois anos e a ideia é transformá-lo em projeto de extensão, para que se perpetue por mais tempo. Essa proposta segue em trâmite administrativo. Enquanto isso, os envolvidos na iniciativa seguem aperfeiçoando metodologias e adquirindo experiência para a prática profissional.

 

“É ótimo ver o quanto as crianças gostam de participar das atividades. Elas fazem perguntas quando não entendem. Querem entender o porquê das coisas”, comenta a graduanda Luana Alves. “Acredito que nosso trabalho contribui para que eles vejam que ciência é legal, além de ajudá-los a se desligar um pouco do ambiente hospitalar”, opina.

 

METODOLOGIA – Por trás das atividades executadas está o viés direcionador da pesquisa científica. O foco, portanto, é investigar os aspectos relacionados ao ensino na classe hospitalar. Esse trabalho será dividido em dois momentos: construção do perfil da classe hospitalar do HUB, por meio de entrevistas, questionários e outros levantamentos, seguido pela proposição e avaliação de metodologias educacionais adequadas para tal classe de acordo com o perfil identificado.

 

“A pesquisa realizada pelos estudantes vai virar o respectivo trabalho de conclusão de curso de cada um. É um aprendizado muito rico”, avalia a docente Cristiane Russo. As atividades pedagógicas executadas pelos participantes são elaboradas com apoio de material didático do Laboratório de Ensino de Ciências (LEC) do NECBio.  

 

A Lei Distrital Nº 2.809, de 2001, garante a criança e ao adolescente hospitalizados em Unidades de Saúde do Sistema Único de Saúde do DF o atendimento pedagógico durante a atenção hospitalar, inclusive quanto à escolarização. As classes hospitalares são criadas com essa finalidade.



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