Realizada em parceria com a União Européia, pesquisa aponta ainda que se a legislação atual fosse mantida e o Estado aumentasse a fiscalização sobre as reservas, a área de florestas seria reduzida em apenas 25% nos próximos dez anos.

Se passar pelo Senado Federal sem alterações e virar lei, o texto do novo Código Florestal aprovado pela Câmara dos Deputados poderá provocar um desmatamento 47% maior que o previsto para o ano de 2020. É o que mostra estudo inédito da Universidade de Brasília, realizado em parceria com a União Européia. A pesquisa aponta ainda que se a legislação atual fosse mantida e o Estado aumentasse a fiscalização, o desmatamento seria 25% menor que o projetado para os próximos 10 anos.


O estudo considera a região da BR-163, que abrange 11 municípios dos estados do Mato Grosso e do Pará. Em 2008, essas áreas tinham 13,4 milhões de hectares de florestas.  Em 2020, segundo projeções dos pesquisadores, ela terá 12,2 milhões. Entretanto, com o Novo Código, a área seria reduzida ainda mais, para 11,6 milhões. Neste caso, o território desmatado alcançaria 1,7 milhões de hectares, 47% maior.


Os pesquisadores do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB fizeram projeções para 2020 a partir de dados de 2008 para a área pesquisada. Eles mostram que mantido o ritmo de retirada das florestas e o texto atual da legislação, o desmatamento deverá atingir uma área de 1,1 milhão de hectares a mais que a já devastada. Caso o novo Código Florestal seja aprovado como está, o número pode chegar a 1,7 milhão de hectares.


O estudo da UnB leva em conta o substitutivo apresentado pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) na Comissão Especial da Câmara dos Deputados criada para analisar a proposição. Ficaram de fora da análise as emendas acrescentadas e aprovadas pelos parlamentares no plenário na madrugada do último dia 24. A aprovação da proposta encerrou 12 anos de tramitação da proposta somente na Câmara dos Deputados, com muitos embates entre parlamentares das bancadas ruralista e ambientalista. A proposta será debatida agora pelo Senado Federal, para onde foi encaminhada na última quarta-feira. O projeto original foi apresentado pelo então deputado Sérgio Carvalho (PSDB-SP).


Os pesquisadores da UnB apontam para a necessidade de mudança no foco do debate sobre preservação de florestas. “Reconhecemos que em muitos aspectos o Código Florestal atual está ultrapassado. Ele foi elaborado há muito tempo e sem um embasamento científico sólido”, afirma Saulo Rodrigues, um dos coordenadores do estudo. O atual Código Florestal é de 1965. “Na verdade uma mudança do Código só faria sentido se junto com ele se discutissem alternativas para diminuir o desmatamento”, acrescenta. O professor lamenta que tenham ficado fora do debate questões como o aumento da produtividade das lavouras em uma mesma área, recuperação de áreas degradadas e pagamento a produtores que preservem a mata.


Marcel Burztyn, também professor do CDS e coordenador da pesquisa, destaca que a reforma do Código Florestal nasce justamente para resolver situações criadas pela ausência do Estado na região pesquisada. “Aquela é uma região de pioneirismo, onde o poder econômico chega antes do estado”. O professor explica que quando o estado chega atrasado em novas áreas acaba tendo que se adaptar as regras estabelecidas pelo poder local. “Os interesses privados acabam se sobrepondo aos públicos”, afirma.


João de Deus Medeiros, diretor de Florestas e representante do Ministério do Meio Ambiente nas negociações do Novo Código no Congresso Nacional, defende o cumprimento das leis já existentes. “Os defensores da mudança buscam apenas acomodar situações já consolidadas em vez de cumprir a lei”, afirma.


CONSERVADOR –
O Código atual obriga a preservação de uma Reserva Legal em todas as propriedades rurais. Para a floresta amazônica, que representa a maior parte da área pesquisada, o tamanho previsto para a Reserva Legal atualmente é de 80% da propriedade. Se o novo Código Florestal for mantido como saiu da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, a área de Reserva Legal em florestas da Amazônia Legal poderia ser reduzida para 50% nos Zoneamentos Ecológicos Econômicos dos estados em regiões com agricultura consolidada. A área destinada à Reserva Legal foi um dos aspectos analisados pelo estudo.


Os pesquisadores também consideraram na pesquisa o trecho do substitutivo que retirava a obrigação de os donos de propriedades com menos de quatro módulos fiscais, que na região amazônica representam até 400 hectares, de manterem Reserva Legal. No plenário, no entanto, os parlamentares mantiveram a obrigatoriedade de manutenção da Reserva Legal e retiraram a previsão de reflorestar o que foi desmatado até julho de 2008.


Ficaram de fora do estudo outras modificações propostas para o novo Código, como a área das margens dos rios que deve ser preservada nas Áreas de Preservação Permanente (APP). Também não foram consideradas as emendas acrescentadas ao substitutivo no plenário, como a do deputado Paulo Piau (PMDB-MG), que inclui a prerrogativa de estados permitirem atividades produtivas em APPs que não estiverem em áreas de risco. “Por desconsiderar esses aspectos, podemos dizer que os resultados dos nossos estudos foram conservadores”, afirma Saulo. “Na verdade os níveis de desmatamento poderão ser bem piores”, sentencia.


Dados divulgados na última semana de maio pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelam aumento de mais de 400% no desmatamento no estado do Mato Grosso somente entre os meses de março e abril deste ano. Números que, na opinião do professor Saulo, reforçam as conclusões do estudo. “O crescimento do desmatamento acompanhou o acirramento do debate que antecedeu a votação do código na Câmara”, afirma.


O deputado Paulo Piau afirma que o estudo da UnB não leva em conta a realidade do campo. “Também somos a favor da preservação, mas a legislação do Código inviabiliza a produção rural”, conta. “Tem muito produtor se mudando para a cidade porque não tem condições de cumprir as exigências de preservação”.


SIMULAÇÃO –
Para fazer as projeções de desmatamento, os pesquisadores desenvolveram um programa de computador, o LUSMAPA, com a ajuda do ecólogo Rene Zerburg, da Universidade de Wageningen, na Holanda. Inicialmente, a equipe considerou como parâmetros nas análises o preço internacional dos principais produtos da região – carne e soja – e a taxa de migração para os municípios analisados. Após uma seqüência de testes, os pesquisadores identificaram oito cenários possíveis para 2020. Essas possibilidades incluíam diferentes hipóteses com relação ao crescimento econômico, a fiscalização e controle por parte do estado e à aprovação ou não do Código Florestal.


“Partimos de um rol grande de políticas, mas, devido a proporção que a discussão sobre a lei tomou e a importância dela para a sociedade, revolvemos nos centrar nessa análise”, explica Diego Lindoso, pesquisador do projeto e doutorando no CDS. Além do desmatamento, os resultados da pesquisa apresentaram informações sobre o Índice de Desenvolvimento Humano, áreas das unidades de conservação e taxas de emprego das regiões.


O estudo é parte do projeto Land Use Policies and Sustainable Development in Developing Countries (LUPIS) que engloba um total de 11 instituições de dez países, sendo três da União Européia e sete em desenvolvimento. A etapa brasileira envolveu sete pesquisadores e foi financiada pela Comissão Europeia num valor de 100 mil euros. O objetivo do projeto é avaliar a relação das políticas de uso da terra com o desenvolvimento sustentável em diferentes países.