Estudo publicado no jornal de medicina mais influente do mundo revela efeitos da falta de um hormônio para a fertilidade feminina.

A ciência mundial deu um passo importante no conhecimento de uma doença rara caracterizada pela falta do desenvolvimento normal da puberdade. Uma pesquisa feita por alunos e professores do curso de pós-graduação em Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB) descreveu, pela primeira vez no mundo, um caso de hipogonadismo resultante da deficiência seletiva do hormônio luteinizante (LH) em uma mulher.


Usualmente, a enfermidade é provocada pela falta do LH e do foliculestimulante (FSH), que regulam a puberdade e a fertilidade. Até então, esse problema só tinha sido diagnosticado em dois homens em todo o mundo. Além dessa paciente, o estudo também revelou outros dois casos inéditos da doença e lançou luz sobre as causas da disfunção hormonal: uma mutação no gene responsável pela produção do LH.


A pesquisa completa foi publicada na edição de 29 de agosto de 2007 do New England Journal of Medicine (NEJM), o mais importante periódico científico da área médica, avaliado com 51 pontos em uma escala de impacto acadêmico. A título de comparação, revistas científicas mais conhecidas do público, como a Cell, Science e a Nature, atingem valores próximos a 30 pontos nessa escala. Em mais de 100 anos do jornal, poucas vezes um artigo científico assinado exclusivamente por brasileiros foi publicado. Os seis autores da UnB contaram com a colaboração da professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Ana Claudia Latrônico.


Tudo começou com um paciente atendido no ambulatório de endocrinologia do Hospital Universitário de Brasília (HUB), que apresentava um quadro clínico sugestivo de hipogonadismo provocado pela falta do hormônio luteinizante. Ele não apresentava os sinais clássicos de desenvolvimento normal da puberdade no sexo masculino, como o aparecimento de pelos corporais, aumento do timbre da voz, crescimento e desenvolvimento do pênis e dos testículos. Por se tratar de um caso raro, a médica Adriana Lofrano Porto, então doutoranda em Ciências da Saúde, procurou a origem genética do problema.


“Analisei o sangue de 15 familiares adultos desse paciente e diagnostiquei a doença em um irmão e em uma irmã”, explica Adriana. “Além disso, confirmamos que a alteração genética dos pacientes não estava presente em nenhuma das 100 pessoas que também foram analisadas e que haviam tido desenvolvimento completo da puberdade”, completa. Nessa última análise, houve a participação dos alunos de graduação do curso de Medicina da UnB Leonardo Giacomini e Paula Pires Nascimento.


QUADRO CLÍNICO –
A manifestação física da doença no segundo irmão era semelhante à do primeiro. Já na mulher, o hipogonadismo não impediu o desenvolvimento normal dos seios. No entanto, provocou ciclos irregulares de menstruação a partir dos 13 anos até sua interrupção aos 27 anos. “A suspeita diagnóstica inicial para essa paciente havia sido de síndrome de ovários policísticos, quando na verdade o problema era o hipogonadismo. A descoberta do quadro clínico da doença em mulheres pode contribuir para um diagnóstico mais fiel e conseqüente tratamento específico”, comenta a médica.


Por questões éticas, a identidade dos três irmãos é mantida em sigilo. Seus pais são primos de segundo grau e heterozigotos para a doença, ou seja, possuem uma cópia do gene responsável pela produção do LH normal e outra com uma mutação. “Caso as duas cópias apresentassem a alteração, eles também teriam o hipogonadismo e seriam inférteis”, diz o professor Francisco Neves, e co-orientou Adriana, ao lado do professor Luiz Augusto Casulari, endocrinologista do HUB e professor da pós-graduação.


MUTAÇÃO –
A mutação genética foi comprovada em outra etapa da pesquisa. Em associação com o farmacêutico Gustavo Barcelos Barra, também aluno de doutorado da Pós-Graduação em Ciências da Saúde, o gene do LH foi sequenciado. Na estrutura de um DNA, existem os éxons, que são os trechos do código genético cujas instruções servem para gerar proteínas, e os íntrons, que são descartados no processo de produção das proteínas.


“No caso dos indivíduos portadores da doença, houve uma mutação no sítio que permite o descarte dos íntrons. Dessa forma, eles estavam sendo lidos como se fossem éxons e por isso geraram uma proteína aberrante, que ‘estragou’ o LH”, diz Barra.