Estudo aponta que obras sugeridas pelo Ministério da Educação para os ensinos fundamental e médio informam pouco sobre prevenção de acidentes com animais venenosos. Quase 50% dos alunos não sabe como agir em caso de picadas, diz estudo.

Estudo com 23 livros didáticos de Ciências Biológicas recomendados pelo Ministério da Educação (MEC) e utilizados por escolas públicas e particulares mostra que o material traz informações incompletas sobre serpentes, aranhas e escorpiões. Publicações são utilizadas por estudantes da 7ª série do ensino fundamental e 2º ano do ensino médio.


“Um dos problemas dessa falta de informação é que as pessoas não fazem ideia de como se prevenir porque desconhecem os hábitos dos animais”, explica Leila Alzira Guimarães, autora do estudo Acidentes por Animais Peçonhentos: identificação dos erros conceituais contidos nos livros didáticos dos ensinos fundamental e médio.


Dos 124 estudantes que participaram do estudo, 89% não são capazes de apontar diferenças entre as serpentes. Distinguir as cobras com e sem veneno também é um problema: 62% dos estudantes desconhecem as diferenças. Em casos de acidente, 46% não têm ideia sobre como devem agir. (veja ilustração). “Prevenção de picadas, sintomatologia e como proceder após um acidente são assuntos tratados com pouca ou nenhuma importância. Muitas vezes é mostrado num box como Saiba mais ou como curiosidade, algo cômico”, opina Elisabeth Ferroni, professora do Instituto de Biologia e orientadora da pesquisa. “É importante que a gente amplie e detenha o conhecimento sobre os animais”, afirma.


O estudo foi realizado a partir da análise comparativa entre os livros didáticos e outras bibliografias na área de Biologia e aplicação de questionários a professores e estudantes. Dos 124 estudantes que responderam às perguntas, 65 eram de escolas públicas e 59 de particulares, todos da região de Planatina (DF). Entre os alunos da rede privada, 35 alunos eram da 7ª série do ensino fundamental e 24 do 2º ano do ensino médio. Na rede pública, 29 eram do nível fundamental e 36 do médio.


ATAQUES –
Em 2010, a Organização Mundial da Saúde passou a dedicar atenção especial aos casos de ataques de serpentes. A cada ano cerca de 5 milhões de pessoas são mordidas em todo o mundo. Dessas, 100 mil morrem por falta de antídotos eficientes. Por conta disso, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) lançou, no mesmo ano, um edital para aumentar o número de grupos de pesquisa com animais peçonhentos.


Em sua dissertação de mestrado em Biologia Animal, Leila Alzira Guimarães analisou textos, tabelas, esquemas e ilustrações de 14 livros de Ciências e de Biologia do 7º ano do ensino fundamental, indicados pelo Guia do Livro Didático (PNLD) de 2008, e nove livros do 2º ano do ensino médio, sugeridos pelo Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM) de 2009.


Nenhum dos livros da 7ª série analisados no estudo atende aos critérios estabelecidos para os resultados da pesquisa. Todos os tópicos abordados tiveram tratamentos superficiais. Na bibliografia do 2º ano, apenas Biologia, volume 2, de Gilberto Rodrigues Martho e José Mariano Amabis (editora Moderna) apresenta a totalidade dos aspectos analisados sobre aranhas, serpentes e escorpiões. “O que também não quer dizer que a obra esteja impecável. Faltam dados sobre a importância ecológica dos animais”, aponta Leila.


O estudo mostra que os livros não trazem, por exemplo, as regiões onde determinados animais habitam. A pesquisadora acredita que isso ocorre porque a maioria das editoras fica em São Paulo e acabam não retratando a diversidade geográfica brasileira. “Um menino que mora no litoral não recebe informações sobre acidentes envolvendo água viva ou peixes”, exemplifica Leila.


Aluna do 2º ano do ensino médio do Centro Educacional Gisno, Isabelle Andrade, 15 anos, utiliza um dos livros analisados pela pesquisadora, o volume único de Biologia da Editora Nova Geração, escrito por J. Laurence, e confessa que não sabe diferenciar animais peçonhentos venenosos de não venenosos. “Não tenho idéia da diferença, mas acho que é legal saber, até por segurança”, afirma. Apesar de já ter estudado o assunto no ensino fundamental, também não soube responder em quais locais vivem os escorpiões. “É tudo visto de um jeito muito superficial”, revela. Isabelle apóia a iniciativa do governo de oferecer livros didáticos, mas conta que muitos deles não são úteis. “Nós não usamos o livro de matemática, ele é muito ruim. O professor passa a matéria e os exercícios no quadro, nem abrimos o livro”, resume a estudante.


DEFASAGEM –
Elisabeth, orientadora da pesquisa, participou por duas vezes da elaboração da lista de obras didáticas recomendadas às escolas. Ela conta que, nos últimos 15 anos, houve um avanço no conteúdo. Determinadas práticas, como o uso de torniquete, passaram a ser desaconselhadas: “Isso é um passo importante, mas estamos longe de ter livros bons”.


A boa notícia é que dez professores entrevistados pela pesquisa utilizam pelo menos mais dois livros como apoio às aulas. A professora Virlene Menezes leciona em uma escola pública de Ceilândia para os primeiros anos do ensino básico e obras do projeto Ciência em Foco, da Secretaria de Educação do Distrito Federal, para complementar o livro didático. Segundo ela, os professores precisam entrar em consenso sobre qual editora escolher, na hora de definir o livro adotado pela escola. Muitas vezes, a escolha não é a ideal. “Muitas vezes os professores escolhem uma editora diferente, mas acabam ficando com aquela que a maioria dos professores escolheu”, exemplifica.


A autora do estudo lembra que capas renovadas e edições atualizadas não acompanham a evolução da Ciência. “O conteúdo é praticamente o mesmo. A Ciência muda a todo instante e a literatura não acompanha. Acaba ficando defasada”, aponta Leila Alzira. Ela afirma que não se surpreendeu com os resultados da pesquisa porque leciona há bastante tempo com os livros analisados. A professora procura incrementar as aulas com outras publicações e material digital: “Utilizar somente os livros não dá”.


VERBA –
Todos os livros didáticos são mantidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Em 2009, o governo federal destinou R$ 577,6 milhões para a compra de livros didáticos para o ensino básico (1º ao 5º ano). Em 2010 foram investidos mais R$ 427,6 milhões. As características mais importantes na escolha do livro didático dizem respeito ao conteúdo – se está dentro da proposta curricular –, se atende à realidade do aluno, e se o texto é de fácil compreensão.


A coordenadora do Núcleo de Educação Científica em Biologia, Maria Luiza Gastal, explica que o livro didático é, na maioria das vezes, generalista. “Ao analisar um tópico, nunca terá uma abordagem profunda porque a função é fazer um recorte no conteúdo”, pondera. Ela lembra que muitos professores não têm tempo nem dinheiro para preparar aulas mais elaboradas e comprar outros materiais de apoio. “Os livros didáticos recomendados pelo MEC são bons. Pior seria sem eles. Eu participei de avaliações e revisei livros muito ruins que não foram aprovados”.


Sônia Schwartz, coordenadora geral dos programas do livro do FNDE, explica que a triagem pedagógica é feita por uma comissão mista composto por professores de universidades e escolas e profissionais do Ministério da Educação, que aprovam ou reprovam uma grande lista de obras. "É claro que alguns livros trazem problemas. Por isso, mesmo os livros aprovados recebem recomendações dessa equipe apontando imprecisões no conteúdo e ressaltando a necessidade dos professores complementarem as informações", diz.


Como proceder em acidentes com animais peçonhentos

A vítima deverá permanecer imóvel e ser encaminhada ao serviço médico para receber o soro. 

É aconselhável que o animal também seja levado para auxiliar na administração do soro específico.


Conheça os livros pesquisados

Guia do Livro Didático – PNLD – 2008

Aprendendo com o Cotidiano, 6ª série, Editora Moderna – Eduardo Leite Canto. Ciência e Interação, 6ª série, Editora Positivo – Alice Costa.

Ciência BJ, 6ª série, Editora do Brasil – Marcelo Jordão e Nélio Bizzo.

Ciência e Vida, 6ª série, Editora Dimensão – Alexandre Alex Barbosa Xavier e outros autores.

Ciências Naturais, 6ª série, Editora Saraiva – Aníbal Fonseca, Érika Regina Mozena e Olga Santana.

Ciências Natureza e Cotidiano, 6ª série, Editora FTD – Carlos Kantor e outros autores

Ciências Novo Pensar, 6ª série, Editora FTD – Demétrio Gowdak e Eduardo Martins.

Ciências, 6ª série, Editora Ática – Carlos Barros e Wilson Roberto Paulino. Série Link da Ciência, 6ª série, Edições Escala Educacional – Sílvia Bortolozzo e Suzana Maluhi.

Ciências, 6ª série, Editora Ática – Fernando Gewandsznajder.

Construindo Consciências, 6ª série, Editora Scipione – Selma Ambrozina de Moura Braga e outros autores.

Investigando a Natureza, 6ª série, Editora IBEP – Ana Paula Hermanson e Mônica Jakievicius.

Projeto Araribá – Ciências, 6ª série, Editora Moderna.

Programa Ciência em Foco

Unidade 3: diversidade dos animais. Recomendado pela Secretaria de Educação do Distrito Federal, Instituto Sangari

Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM) 2009

Biologia, volume único, Editora Ibep – Augusto Adolfo, Marcos Crozetta e Samuel Lago

Biologia, volume 2, Editora Moderna – Gilberto Rodrigues Martho e José Mariano Amabis

Biologia, volume 2, Editora Saraiva – César da Silva Júnior e Sezar Sasson

Biologia, volume único, Editora Moderna – Clarinda Mercadante e José Arnaldo Favaretto

Biologia, volume único, Editora Nova Geração -  J. Laurence

Biologia, volume único, Editora Ática – Fernando Gewandsznajder e Sérgio Linhares

Biologia, volume único, Editora Saraiva – Sérgio Rosso e Sônia Lopes

Biologia, volume 2, Editora Ática – Wilson Roberto Paulino

Biologia, volume 2, Editora Scipione – Oswaldo Frota Pessoa