Pesquisa que analisa unhas para ligar Índice de Desenvolvimento Humano a hábitos alimentares estampa capa de renomada revista do grupo Nature

Nadine Primeau/Unsplash

Quanto maior o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de um município brasileiro, maior é o acesso de seus habitantes a fontes proteicas de origem animal e a alimentos processados e ultraprocessados. Em outras palavras, quanto maior o IDH de um município, maior é a chance de seus moradores terem uma alimentação comprometida por excessos e escolhas ruins. Exceção feita em casos de municípios com baixa circulação de renda, onde o IDH pode ser alto mas não há acesso a variedade de alimentos industrializados.

 

Esta é uma das principais conclusões presentes no artigo Increased in carbon isotope ratios of Brazilian fingernails are correlated with increased in socioeconomic status (Aumento da proporção de isótopos de carbono 13 das unhas brasileiras está relacionado ao aumento da condição socioeconômica, em tradução livre). A produção científica assinada por um grupo de pesquisadores é liderada pela professora Gabriela Bielefeld Nardoto, do Departamento de Ecologia do Instituto de Ciências Biológicas (IB) da UnB. O artigo foi publicado na NPJ Science of Food, renomada revista do grupo Nature, e selecionado para ser a capa da atual edição.

 

“A publicação do artigo nessa revista é uma conquista para o grupo inteiro. Os editores acharam a pesquisa tão interessante e diferente que fomos convidados a publicá-la, não precisamos nem pagar os dois mil euros usuais”, comemora a professora. A pesquisa se concentra principalmente na análise da presença dos isótopos estáveis de carbono, o chamado C4, nas unhas. É o carbono que está associado diretamente aos alimentos processados, ultraprocessados e àqueles que “vêm do pasto”, como explica a docente. Os pesquisadores constataram que, quanto maior o IDH de uma localidade, maior é a proporção dos isótopos de carbono, indicando um maior acesso aos alimentos ricos em proteínas, como leite, queijo, frango, porco, embutidos, ovos, etc.

Mapa indica a proporção dos isótopos estáveis de carbono para cada um dos 5.507 municípios brasileiros: quanto mais escura a cor no mapa, maior é a proporção dos isótopos de carbono, e isso está diretamente relacionado com os municípios com maiores IDH. Imagem: artigo Increased in carbon isotope ratios of Brazilian fingernails are correlated with increased in socioeconomic status

 

“Tudo o que ingerimos vai para os nossos tecidos, e a queratina da unha é uma proteína que marca muito bem os isótopos estáveis de carbono, nitrogênio, oxigênio e hidrogênio que vêm dos alimentos”, explica a professora Gabriela sobre o método utilizado, que consiste em coletar e analisar unhas de milhares de brasileiros, de norte a sul do país.

 

A pesquisa faz, portanto, uma correlação entre os isótopos estáveis de carbono presentes nas unhas dos indivíduos e o IDH de cada um dos 5.507 municípios brasileiros, valor que variou entre -22 e -16 d13C (ou δ13C, medida da composição isotópica do carbono).

  

INÍCIO – A pesquisa da docente começou em 2006, quando ela publicou artigo em que constatava que existe um padrão na alimentação de acordo com o tipo de localidade. Cidade grande, cidade pequena e interior do Brasil têm, cada uma, hábitos alimentares diferentes. Por sua vez, elas têm padrões distintos daquelas do interior da Amazônia, que são diferentes daquelas dos Estados Unidos, da Europa e da Ásia.

 

“A partir daí, foi um projeto atrás do outro, com parcerias no Brasil todo, da Amazônia ao Sudeste, passando pelo Nordeste, e com colaboração de várias instituições, como a Universidade de São Paulo (USP) e a UnB. Temos dezenas de publicações e fomos criando um banco de dados gigantesco, com mais de cinco mil unhas”, detalha a professora do IB. Ela destaca que, para a pesquisa específica publicada na NPJ Science of Food, foram usadas cerca de quatro mil unhas, coletadas desde 2004.

Professora Gabriela Nardoto, do Departamento de Ecologia, desenvolve há 14 anos pesquisa com isótopos de carbono: banco de dados com mais de cinco mil unhas. Foto: Arquivo pessoal

 

Na UnB, as unhas coletadas passam por um processo de limpeza e pesagem. Depois, são enviadas para um laboratório específico que possui um espectrômetro de massa. No caso da pesquisadora, suas amostras são mandadas para o Laboratório de Ecologia Isotópica do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, sob a responsabilidade do professor Luiz Martinelli.

 

METODOLOGIA – O IDH é usado para comparar e classificar localidades pelo seu grau de desenvolvimento humano. Ele é formado por três índices: expectativa de vida ao nascer, educação e PIB per capita. É um indicador do padrão de vida de uma população, de acordo com dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). No Brasil, ele é calculado por município. Além disso, todos os anos, os países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) são classificados de acordo com essas medidas.

 

A pesquisa da professora Gabriela Nardoto mostra claramente a relação da alimentação com a qualidade de vida, ou o IDH. Ou seja, não indica se a população está comendo bem ou mal, mas qual é a relação da alimentação com os indicadores do IDH do município. “É um método semiquantitativo e, por isso, conseguimos estabelecer padrões e, a partir deles, fazer as modelagens estatísticas. E depois conseguimos ver onde o indivíduo se encaixa nesse padrão global”, explica.

 

PROBLEMAS COM ULTRAPROCESSADOS – O grupo de pesquisadores tem trabalhos associados com programas sociais do governo federal, como o Bolsa Família. Constatou-se que, quando há a entrada da renda extra, os beneficiários param de comer o alimento local – que não é processado, como o peixe, por exemplo – e começam a comer produtos industrializados, como o frango congelado. “Quando há essa mudança na renda, não é mais necessário o esforço físico para pescar ou criar animais, e as pessoas vão ao supermercado e compram alimentos industrializados, e isso vai mudando o sinal isotópico do carbono presente na unha”, explica a docente.  

Projeto coletou e analisou unhas de milhares de brasileiros, de norte a sul do país, a exemplo da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauã, no estado do Amazonas. Foto: Arquivo pessoal

 

A pesquisa mostra claramente padrões alimentares bem definidos com dados por municípios e, segundo Gabriela, pode ajudar o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a fazer esse tipo de censo. “A ideia é popularizarmos esse trabalho e mostrar como isso pode trazer benefícios para a sociedade. Com o nosso banco de dados, estamos mostrando que não é preciso fazer tantas análises assim”, explica a pesquisadora. "Temos a listagem dos alimentos consumidos, incluindo a porcentagem, que mostra se aquela população come, por exemplo, 60% de arroz e feijão”, complementa.

 

Segundo a pesquisadora, muitos países europeus estão adotando um caminho inverso ao caso brasileiro: pessoas com maior poder aquisitivo, que querem ter uma qualidade de vida melhor, estão retornando ao hábito de se alimentar com os chamados alimentos verdadeiros, que vêm diretamente da horta e do campo. “Aqui, esse movimento é muito restrito, pois quando olhamos para a população brasileira em geral, não enxergamos esse movimento amplo ainda. Estamos muito longe disso no Brasil como um todo”, avalia a docente.

 

Importante ressaltar que o estudo tem aplicações diversas, incluindo a forense, que é a ciência que reúne técnicas para desvendar crimes, entre outros. O artigo da professora do IB tem, inclusive, a coautoria de Fábio Costa, perito da Polícia Federal. “Estamos trabalhando com a Polícia Federal para ajudar, por exemplo, a encontrar pessoas desaparecidas, que é um problema sério no Brasil. É um trabalho para encontrar indicadores que possam restringir a área de onde aquela pessoa possa ter vindo – e depois entra a parte genética”, menciona Nardoto.

 

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