Cientistas ganham espaço na Biotecnologia, com o desenvolvimento de combustíveis e na redução do efeito estufa.

As previsões do impacto do aquecimento liderado pela ação humana são dignas de um filme de ficção. Projeções do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) revelam a redução de até 22% das geleiras polares, o que afeta diretamente populações de líquens, musgos e mamíferos. Em países africanos, o aumento da temperatura deve afetar gravemente a disponibilidade de recursos naturais essenciais para a economia local. Já nas Américas, o temor dos cientistas diz respeito à extinção de espécies e à escassez de água doce.  


Dados do IPCC, órgão vinculado ao programa de Meio Ambiente das Nações Unidas, apontam que a temperatura do planeta pode aumentar até quatro graus nos próximos 100 anos. Segundo a entidade científica, as amplitudes nas variações consideradas normais na temperatura começaram há cerca de 200 anos, período marcado pelo início da Revolução Industrial, ou seja, pelo boom das emissões de gás carbônico na atmosfera. 


É nesse contexto catastrófico que pesquisas com plantas como a cana-de-açúcar, a mamona, a soja e o babaçu ganham espaço nos laboratórios da Universidade de Brasília. Um dos destaques é o método para produzir etanol a partir do amido da mandioca e do bagaço da cana. “No projeto piloto do amido é preciso usar a Biotecnologia para alterar geneticamente a levedura responsável pela fermentação”, afirma o biólogo molecular Fernando Araripe.


MISSÃO -
A história mostra que cabe à ciência a missão de buscar soluções para os problemas da humanidade. Dos primeiros registros numéricos para a organização social na Mesopotâmia à descoberta da eletricidade por Benjamin Franklin, em meados de 1700, os cientistas sempre despontaram como espécies de heróis do planeta. No século XXI não é diferente. E um dos principais desafios apontados por pesquisadores de todo o mundo tem nome: aquecimento global acelerado.   


Assim, os apelos para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa dão força a um ramo específico da ciência: a Biotecnologia. Responsável pela pesquisa de biocombustíveis capazes de substituir o petróleo e outros combustíveis fósseis em um futuro não muito distante, o ramo que une a Biologia a outras áreas do conhecimento torna-se o centro das atenções. “A questão da poluição é crítica e deu, inclusive, origem à chamada Biotecnologia Branca”, conta Araripe.


Segundo ele, 38% da cana não são aproveitados para fins energéticos. “Se usássemos o bagaço da cana, poderíamos duplicar a produção de etanol no Brasil”, aponta o pesquisador. Em relação à mandioca, o especialista explica que a vantagem da planta é que a raiz pode ser estocada, tornando-se fonte de energia durante a entressafra. “Já há uma empresa interessada em montar uma microdestilaria usando a mandioca como matéria-prima. É um mercado iniciante, mas promissor”, acredita Arararipe.


Apesar do apelo ambiental ter chamado a atenção para as pesquisas com biocombustíveis, a Biotecnologia é tradicional nas pesquisas da UnB. Multidisciplinar por natureza, desde 1975 cientistas agregam os conhecimentos da Biologia ao de outras áreas do conhecimento, como a Medicina e a Engenharia. “A primeira patente do hemisfério Sul na área é da Universidade de Brasília, com a descoberta de um método de manipulação genética para a produção de insulina”, conta Araripe.


SINERGIA -
A engenheira eletrônica Suélia Rodrigues é um exemplo claro da mistura de conhecimentos que formam a Biotecnologia. Professora do campus do Gama da UnB, ela  desenvolve sistemas de controle para a Medicina. “Hoje é comum um engenheiro e um médico trabalhando juntos”, comenta. “No caso de uma prótese para humanos, por exemplo, o médico identifica as necessidades do paciente e o engenheiro elabora uma prótese segundo as necessidades apontadas.”


No caso de Suélia, o encontro de saberes na Biotecnologia ocorre no desenvolvimento de sistema para o monitoramento de temperatura durante cirurgias médicas. “Criamos circuitos para serem aplicados em procedimentos de osteotomia (retirada do osso para reparos) e de cirurgias neurofaciais, pois o controle é essencial para o bom andamento do procedimento”, explica Rodrigues. Para ela, a Biotecnologia é uma das vocações da UnB. “Há muito tempo busca-se essa interação com sucesso na universidade”.


A partir do segundo semestre deste ano, a UnB começa a materializar o reconhecimento à tradição e ao crescimento da Biotecnologia nos campi, com a construção do Centro de Biotecnologia da Universidade de Brasília. Orçado em R$ 8 milhões, o prédio que abrigará salas, laboratórios e uma incubadora de empresas em cinco pavimentos será erguido no campus Darcy Ribeiro.


A edificação que se encontra em processo de licitação terá como vocação a produção de biocombustíveis e de biofármacos. “Essas são algumas das grandes demandas da sociedade no processo de quebra de paradigmas que vivemos hoje”, avalia Araripe. Um dos coordenadores do projeto, o professor explica que o Centro terá uma relação próxima com as empresas produtoras. “É um projeto que busca a inovação na elaboração de alternativas e terá impactos sobre todo o país. A aproximação com os empresários é fundamental para que tais produtos cheguem à sociedade”, afirma.


A decana de Pesquisa e Pós-graduação da UnB, Denise Bomtempo, atesta o boom da Biotecnologia nos últimos anos. “O interesse estratégico na área levou a um aumento significativo no número de editais e bolsas voltadas para área”, observa ela. Como na luta contra o aquecimento global, o reconhecimento se mostra fundamental para formação de novos heróis da ciência que, em muitos casos, precisam encontrar saídas para problemas gerados pela própria humanidade, que acaba tornando-se vilã de si mesma.