Um grupo de cientistas da Universidade de Brasília, em parceria com instituições de ensino europeias, chegou à conclusão de que o rio Amazonas deságua no oceano Atlântico há, pelo menos, nove milhões de anos. Outra revelação desta pesquisa foi que antes o rio corria para a costa oposta, o Pacífico, do outro lado do continente sul-americano: por meio de análise de sedimentos encontrados na costa do Pará, os geólogos puderam observar que as amostras tinham origem nos Andes, e datam desse período.
Os pesquisadores e professores Roberto Ventura e Elton Dantas – este responsável pelo laboratório de Geocronologia da UnB –, trabalharam com Martin Roddaz, professor da Universidade de Toulouse (França) ligado ao Instituto de Pesquisas para o Desenvolvimento (IRD), durante os estudos.
SEM FRONTEIRAS – Ventura aponta que, por causa da erosão dos Andes, os sedimentos viajaram mais de mil quilômetros pelo rio Amazonas e foram depositados no oceano Atlântico, no Delta Amazônico, entre os estados do Pará e Amapá.
A análise dos sedimentos do fundo do mar ocorreu com o apoio de empresas petrolíferas, capazes de coletar amostras no momento das perfurações marinhas. O material foi solicitado pelos pesquisadores e, desse modo, o trabalho foi feito. Houve também viagens à região Norte do Brasil e ao Peru, a fim de recolher rochas, água e outros exemplares.
A partir daí, foi possível fazer várias análises e descobrir a origem e o momento de chegada do rio Amazonas ao oceano Atlântico. Segundo o professor Ventura, a identificação dos sedimentos dos Andes foi certeira, pois têm a composição química muito distinta. “Nós identificamos a idade dos primeiros sedimentos provindos dos Andes. Provavelmente, antes de nove milhões de anos atrás, o rio desaguava no Pacífico”, conclui.
O professor explica que os sedimentos andinos têm origem vulcânica e contêm diversos elementos químicos que ajudam a fertilizar o solo e foram essenciais para a biodiversidade amazônica. “Nossa pergunta era como a Amazônia e os Andes interagem hoje e como interagiam antes. A Amazônia é o que é hoje por causa dos Andes”, conta o professor Ventura, ao observar que o fato de o rio Amazonas desembocar no Atlântico hoje foi ocasionado no passado pelo movimento das placas tectônicas Nazca e Sul-Americana, sobre as quais a América do Sul se localiza.
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O projeto contou com núcleos que estudaram aspectos diferentes da Amazônia. Além da análise de sedimentos, investigou-se a presença de fósseis de plantas, pólen e animais marinhos encontrados na floresta. A partir desses estudos, foi possível fazer uma reconstrução da vegetação amazônica de milhares de anos atrás e analisar as mudanças geológicas da região. Acredita-se, por exemplo, que parte da Amazônia foi coberta pelo mar. Isso explicaria a presença de fósseis marinhos na região. Segundo os pesquisadores, essas mudanças relativamente rápidas para o estudo da geologia seriam explicações para o ambiente da Amazônia ser tão biologicamente diverso e dinâmico.
Sobre os achados da pesquisa e a mudança climática atual, o professor Roberto Ventura diz não ver ligação direta. “O que se discute hoje são alterações no clima de dez anos para cá. Nosso foco é em milhões de anos. Não vejo consequências a curto prazo, mas podemos ver a médio-longo prazo”, destaca.
Para Ventura, não se estuda a Amazônia com fronteiras, e Elton Dantas ressalta que a parte mais importante do projeto foi o intercâmbio entre alunos de diversos lugares. “Nós recebemos alunos de pós-doutorado de vários países, que ficavam aqui no Brasil fazendo as análises das amostras, enquanto os artigos e as teses eram escritas nas universidades de origem”, relata Dantas. “Criou-se uma rede de estudos sobre a Amazônia. Não existe isso de estudar fenômenos de forma separada; a seca de São Paulo pode ter relação com o rio Amazonas”, garante Ventura, para quem a pesquisa só foi possível porque juntou pesquisadores do Peru, Bolívia, Venezuela e de todos os países que possuem partes da floresta em seu território.
O estudo faz parte do projeto Clim-Amazon, financiado pela União Europeia com o auxílio do Sétimo Programa-Quadro para a Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (FP7). Além de ter como coordenadores o organismo francês IRD e a UnB, o trabalho tem a colaboração de mais cinco universidades europeias – duas alemãs, duas holandesas e uma britânica.