Estudo conclui que vantagem econômica de quem explora áreas ilegais é maior do que risco punitivo. Trabalho foi premiado pela Capes e pela UnB

Foto: Vinícius Mendonça/Ascom Ibama
Desmatamento em área da Amazônia, no Pará

 

Um dos atuais desafios assumidos pelo Brasil em sua agenda ambiental é o de zerar o desmatamento ilegal da Amazônia até 2030. E até o momento, a principal estratégia adotada para combater o problema tem sido a fiscalização. Entretanto, falhas no processo – que envolve desde a autuação de infratores até o julgamento dos processos e cumprimento das sanções – têm aberto brechas na realização efetiva do controle da destruição do bioma. Essa foi uma das constatações do pesquisador e analista ambiental Jair Schmitt em sua tese, defendida no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília.

 

A pesquisa recebeu o Prêmio Capes de Tese 2016 na área de Ciências Ambientais, em cerimônia realizada no dia 14 de dezembro que consagrou os melhores trabalhos de doutorado do país. Também foi agraciada pela segunda edição do Prêmio UnB de Teses e Dissertações, em 16 de novembro. Schmitt avaliou o efeito das coerções administrativas aplicadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) na coibição do desmatamento ilegal na Amazônia e propôs medidas para melhorar a eficiência do órgão na fiscalização.

 

O interesse pelo tema surgiu da própria experiência cotidiana com a área: ele é servidor público do Ibama desde 2002 e, hoje, está à frente da Coordenação-Geral de Fiscalização Ambiental. “Sempre tive ânsia de entender como funciona a fiscalização ambiental e seus instrumentos e como eu poderia melhorar minha forma de atuar”, argumenta.

 

Para o pesquisador, as ações tomadas para desmotivar as infrações ainda são ineficazes, o que reflete no crescimento de áreas desmatadas nos últimos anos. De agosto de 2015 a julho de 2016, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) verificou aumento de 29% na taxa de desmatamento em relação ao ano anterior – foram 7.989 quilômetros quadrados. O número se contrapõe à tendência de redução verificada entre 2004 e 2014, quando a área devastada passou de 27.772 para 5.015 quilômetros quadrados. Entre os principais responsáveis pela situação estão atividades como pecuária e agricultura.

 

Evolução da taxa de desmatamento na Amazônia e a projeção da meta de redução estabelecida pela Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). Fonte: Jair Schmitt, com dados do Inpe e da PNMC

 

IMPUNIDADE – “A vantagem econômica do desmatamento hoje é muito maior do que o risco punitivo, por isso as pessoas acabam desmatando”, avalia Schmitt. Segundo ele, vários fatores interferem conjuntamente para a ineficiência da fiscalização, o que torna o delito mais vantajoso. Um deles é a própria limitação dos sistemas de monitoramento: apenas 45% do desmatamento da região são detectados para que os fiscais possam realizar a autuação oportunamente. Ainda, em somente 24% dos casos os infratores são responsabilizados e, desses, 26% são julgados em primeira instância, processo que dura em média três anos. Os dados foram obtidos pela análise de 11.823 autuações, de 2008 a 2013.

 

Multas, apreensão de produtos envolvidos na infração ambiental, embargo de áreas desmatadas e bloqueio de bens são algumas das possíveis punições para quem descumpre a lei realizando esse tipo de atividade ilegal. Apesar das medidas, a dificuldade de aplicação das sanções e de cumprimento por parte dos autuados torna moroso e ineficaz o controle do órgão ambiental, de acordo com Schmitt. No caso das multas, por exemplo, o valor a ser pago para cada hectare desmatado sem autorização é de R$ 5 mil, mas depois de aplicadas, apenas 10% são pagas.

 

Pesquisador Jair Schmitt teve sua teve premiada pela Capes neste ano. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

Schmitt desenvolveu um modelo matemático, baseado na Teoria Econômica do Crime, capaz de mensurar a dissuasão resultante da atividade de fiscalização e de verificar se esta é suficiente para desmotivar o desmatamento da Amazônia. Com a análise, o pesquisador verificou que a vantagem econômica obtida com a exploração de áreas ilegais da Amazônia é bem maior do que os riscos de punição e custos das infrações. “O valor de dissuasão gerado é de R$ 38,54 por hectare. Esse mesmo hectare de desmatamento, em cinco anos gera um lucro de cerca de R$ 2.700”, afirma.

 

SOLUÇÕES – Apesar de evidenciar a baixa eficácia da atuação do Ibama, o orientador do trabalho e professor da Faculdade UnB Gama, Fernando Paiva Scárdua, acredita que a pesquisa trouxe avanços científicos para a construção de políticas públicas na área. “Hoje a política florestal, apesar de ser um tema muito debatido, tem pouca coisa escrita em termos científicos. Há muitas pesquisas sobre preservação e conservação dos recursos naturais, mas não sobre uso, manejo e instrumentos para gestão desses recursos”, pontua.

 

Schmitt também vê o resultado do estudo como positivo para a proposição de novas ações para otimizar os instrumentos de controle e promover a redução de danos no maior bioma brasileiro. “A grande inteligência é qual estratégia construir para que os poucos fiscalizados, e de fato punidos, sirvam de exemplo para que os outros não cometam infrações”, avalia o pesquisador.

 

Mapa da área estudada pelo pesquisador, com sinalização das áreas desmatadas. Fonte: Inpe. Elaborado por George Porto Ferreira

 

Algumas das medidas sugeridas já estão sendo implementadas pelo Ibama. É o caso da melhoria dos sistemas de monitoramento via satélite e da ampliação da capacidade punitiva com a Operação Controle Remoto, a qual propõe agilidade nos processos de detecção das infrações, com o uso de um sistema informatizado, e envio das autuações por correio. Também entrará em vigência no ano que vem uma operação para monitorar proprietários de terras antes que cometam algum ato ilícito.

 

Concentração de esforços na cobrança de multas, judicialização das ações e incentivo da fiscalização pelos estados – responsáveis por realizarem a atividade, por lei – também são mecanismos apontados pelo pesquisador para melhorar o trabalho do órgão.

 

No entanto, para Schmitt, não basta apenas aumentar a dissuasão como forma de desestimular os delitos: é preciso também reduzir a vantagem econômica dos infratores, com a transferência do risco para outros integrantes da cadeia produtiva, como frigoríficos e bancos que financiam os produtores que exploram o bioma ilegalmente. “A legislação diz que quem compra um produto de área desmatada ilegal é também infrator. Então, ao invés de punir só o fazendeiro, você pune também a empresa que compra o gado daquela área desmatada ilegalmente. Quando isso ocorre, quem produz em locais sem autorização perde oportunidade de negócio”, explica.