Historiadora faz um panorama das artes cênicas a partir de relatos de teatrólogos que vivenciaram os palcos brasilienses nas décadas de 70 e 80.

Abrem-se as cortinas. Começa o espetáculo. No palco, Dulcina de Moraes. O enredo era a sua busca por um lugar para instalar a faculdade de artes que levou seu nome. Após inúmeras tentativas, um funcionário do governo prometeu que conseguiria o espaço e apresentou à artista um mapa da cidade. “Dulcina fecha os olhos sobre o mapa e aponta o Conic como local para fazer a faculdade”, conta Elizângela Carrijo, mestre pelo departamento de História da Universidade de Brasília que fez de sua dissertação um espetáculo teatral.


A história de como Dulcina encontrou um lugar para instalar a faculdade de artes é apenas uma entre inúmeras do teatro de Brasília contadas por Elizângela na dissertação, narrada como se fosse um espetáculo teatral. Durante dois anos, ela desbravou pilhas de documentos e conversou com representantes do teatro da cidade, traçando um panorama das artes cênicas na cidade durante as décadas de 70 e 80.


A historiadora entrevistou oito teatrólogos de Brasília. Geraldo Martuchelli, Hugo Rodas, Humberto Pedrancini, Iara Pietricovsky, Jesus Vivas, João Antônio e José Maria B. de Paiva. Dulcina de Moraes entra em cena a partir de uma biografia escrita por Sérgio Viotti, ator falecido no ano passado. “Brasília está fazendo 50 anos. É uma jovem. Quando Brasília tiver 500 anos, será que as pessoas vão saber quem é Hugo Rodas, quem é Dulcina de Moraes?”, indaga a pesquisadora. “É no ato de contar histórias que a gente faz a memória ganhar novo significado”.


INTERPRETAÇÕES -
O diferencial do trabalho de Elizângela em relação aos poucos existentes sobre o tema foi a maneira de contar. A pesquisadora não relata uma história linear. Ela teceu as narrações dos teatrólogos em uma trama aberta a interpretações. “Eu parto do princípio de que cada pessoa é diferente e, portanto, cada uma delas é uma linha de um tecido”, explica a pesquisadora. “Juntas, elas formam o tecido da história, que é o que eu chamo de trama na minha dissertação”.


Elizângela adota uma corrente chamada História Cultural, que compreende os fatos sob uma perspectiva narrativa, sem necessidade de rigidez em relação à cronologia. O foco da pesquisadora não era a construção de uma linha do tempo a partir das entrevistas, e sim a reunião de histórias que se perderiam se não fossem registradas. “A história por mim concebida é sempre inacabada e, portanto, aberta a outras interpretações”, explica.


MEMÓRIAS –
Hugo Rodas, ator, diretor de teatro e professor da UnB, lembra a força que as artes cênicas tinham na década de 70. “Eu cheguei quando havia apenas seis ou sete grupos em Brasília. O teatro estava explodindo”, lembra. “Eu me sentia um pioneiro”, completa.


O diretor B. de Paiva guarda livros, documentos, jornais, fotos e todo material que tenham relação com a história do teatro em Brasília. O acervo que mantém em sua casa soma oito quilômetros de comprimento. B. de Paiva conta que, quando criança, foi atropelado, quebrou a perna e perdeu todos os dentes. “Então eu consegui um presente maravilhoso na minha vida que foi substituir os meus dentes, que não existiam, pela musculatura labial. E a minha voz se tornou perfeita, até que eu cheguei a ser o primeiro galã de teatro banguela”, lembra em entrevista à pesquisadora.


Nancy Alessio Magalhães, orientadora de Elizângela, acredita que a pesquisa estimula novas formas de enxergar não só o teatro, mas a própria cidade. "Nesse espaço de comemoração dos 50 anos da cidade, tão antiga e tão atual, nessas memórias e nessas histórias de vida, Elizângela interpreta o potencial de vitalidade que há nas interpretações que esses artistas elaboram a partir de Brasília", diz.


A dissertação vai virar livro, que deve ser lançado ainda esse ano. “Convido as pessoas, depois de terem lido esse espetáculo, a se debruçarem sobre outras histórias, abrindo novas cortinas, subindo em novos palcos”, diz Elizângela. “A gente precisa contar histórias. A gente precisa dialogar com as novas gerações. Sejam essas que estão aqui, sejam gerações que ainda estão por vir”.