Pesquisa avalia custos dos procedimentos e serviços realizados na rede pública de saúde e questiona alta indicação para descobrir origem da dor

Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB
Professor Rodrigo Carregaro e estudantes da FCE desenvolvem pesquisa no Núcleo de Evidências e Tecnologias em Saúde. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

Em 2016, o sistema público de saúde do Brasil (SUS) gastou US$ 71,4 milhões (cerca de R$ 298 milhões) com o diagnóstico e o tratamento de desordens da coluna. O dado, oriundo do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), foi analisado em artigo publicado na International Journal of Public Health pelos professores de Fisioterapia e de Saúde Coletiva da UnB Rodrigo Luiz Carregaro e Everton Nunes da Silva, respectivamente, em conjunto com o docente Maurits van Tulder, da Universidade Livre de Amsterdã (Vrije Universiteit Amsterdam) considerado um dos maiores especialistas do mundo em dor lombar.

 

O estudo levou em consideração os custos diretos, que são relacionados à verba dispensada em hospitais e ambulatórios com medicamentos, profissionais envolvidos (médicos e fisioterapeutas, por exemplo), exames de imagem, entre outros. “Gastamos uma quantia considerável no Brasil todo em 2016”, avalia Rodrigo Carregaro, que passou um ano em pós-doutoramento na Universidade Livre de Amsterdã e hoje lidera o Núcleo de Evidências e Tecnologias em Saúde na Faculdade UnB Ceilândia. “O que impressionou nos dados é que usamos muitos exames de imagem”, completa.

 

De acordo com o estudo, no ano analisado, foram registradas mais de 114 mil ressonâncias magnéticas e 107 mil tomografias computadorizadas para auxiliar o diagnóstico de problemas na coluna. “Isso é muito alto e há vários guidelines internacionais que dizem que este não é o melhor caminho, principalmente no caso de dor lombar não específica”, aponta o professor.

 

Carregaro explica que, no caso da dor lombar crônica não específica, o exame de imagem não contribui significativamente para o diagnóstico, justamente por se tratar de um quadro sem causa conhecida. “Usar exames de imagem no caso da dor lombar crônica não específica é um gasto que pode ser evitável, porque não agrega muito ao diagnóstico, já que é um quadro inespecífico, e ainda pode trazer outros problemas, como fragilizar o paciente”, alerta. Nestes casos, segundo ele, o mais recomendado é o exame clínico com acompanhamento do paciente e a recomendação de tratamentos conservadores, que geralmente envolvem exercícios físicos aplicados em sessões de fisioterapia.

 

“Só porque tenho uma dúvida diagnóstica neste quadro não significa que necessariamente devo usar exame de imagem. O que vimos é que estão usando muito e isso traz custo”, ressalta Carregaro. Só em 2016, mais de US$ 13 milhões (cerca de R$ 54 milhões) foram gastos com este procedimento. No país, as regiões sudeste e sul apresentaram mais casos de uso de exame de imagem para diagnosticar problemas de dor nas costas. Entre os distúrbios mais frequentes, ou que mais demandaram gastos do Estado, estão as chamadas desordens do disco intervertebral, como hérnia de disco, com 38%, e a dorsalgia, que inclui a cervicalgia e a dor lombar crônica não específica, com 28%.

 

“Os dados impressionam: foram feitas 42 mil ressonâncias magnéticas e 36 mil tomografias computadorizadas para o quadro de dor lombar com ou sem ciática. Esta é aquela não específica, em que não se recomenda tanto o exame de imagem e é melhor uma exploração clínica e acompanhamento do paciente. Caso haja alguma mudança no quadro ou haja justificativa para cirurgia, por exemplo, aí sim se faz o exame de imagem. Essa quantidade observada é alta em relação a outros países também”, afirma o professor.

 

No artigo, há comparações do Brasil com Suíça, Holanda, Austrália, Inglaterra e Alemanha, que já têm consolidados estudos de avaliação econômica como este de Carregaro, Nunes e van Tulder. A pesquisa contabilizou ainda as sessões de fisioterapia realizadas em todos os estados no SUS: foram quase 10 milhões em 2016. “Isso é bom, mostra que o fisioterapeuta tem se estabelecido bem na rede”, analisa.

 

O docente tem a expectativa de apresentar o estudo ao Ministério da Saúde, mas destaca que a publicação já teve bom retorno em um congresso europeu e nas redes sociais. “Queremos mostrar que a área carece de mais investimentos, de práticas baseadas em evidências, para selecionar mais adequadamente as estratégias de intervenção, saber indicar bem os exames de imagem”, explica Carregaro. Segundo ele, o objetivo desse estudo de custo da doença foi mostrar o cenário, apontar caminhos e trazer um ambiente fértil para futuros estudos. “Ficamos bem felizes com o resultado", avalia o professor. 

A doutoranda Caroline Tottoli (à direita) quer comparar a efetividade e os custos do pilates e de exercícios domiciliares para tratar dor lombar crônica não específica. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

NOVOS PROJETOS – Há um outro estudo dos mesmos professores, inédito e já em fase de finalização, que pretende ser também bastante significativo, embora focado apenas em dor lombar: analisa custos diretos e indiretos (quando há perda de produtividade) ao longo de cinco anos na rede pública de saúde brasileira.

 

Outro desdobramento é a tese, ainda em construção, da doutoranda da Faculdade de Educação Física Caroline Tottoli. A estudante fará uma avaliação econômica completa, por meio de ensaio clínico aleatório em que serão realizadas análises de efeito de duas intervenções, associadas ao diagnóstico dos gastos com elas.

 

No caso, em seu trabalho, Caroline quer verificar a efetividade do pilates comparada aos tradicionais exercícios domiciliares para dor lombar crônica não específica, e os custos associados ao tratamento. Para isso, vai acompanhar pelo menos 150 pessoas que estejam sofrendo desse problema há mais de três meses consecutivos. A primeira etapa acompanhou o processo com 35 pacientes.

 

“Esse é o quadro que mais acomete a população”, ressalta o orientador Rodrigo Carregaro. “Estima-se que de 60 a 70% das pessoas, em algum momento da vida, terão dor lombar crônica não específica”, acrescenta a doutoranda, que também fez o mestrado na Faculdade UnB Ceilândia, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação.

 

“Sempre gostei de estudar as patologias de coluna, e a dor lombar crônica é uma das que mais causam incapacidade funcional e absenteísmo no trabalho”, afirma a doutoranda, que também é professora com formação em pilates. “Conseguimos casar as duas coisas na pesquisa, então para mim é um prazer muito grande". Ela e outra estudante mestranda dividem o atendimento aos pacientes que dará subsídio para as análises posteriores. Uma atende o grupo de pilates e a outra, o de exercício domiciliar.

 

“Ajudamos muita gente, essa é a verdade. São notórios os benefícios que conseguimos por meio de exercícios, porque esses pacientes tendem a usar medicamentos por muitos e muitos anos e não resolve. Ajudamos quem realmente precisa e não teria condições de pagar um tratamento, ou está na fila do SUS há muito tempo”, detalha a doutoranda, que recentemente conseguiu bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

 

Em 2020, Caroline pretende ir à Holanda para doutorado sanduíche com o “papa da lombalgia” Maurits van Tulder. “A ideia é coletar os dados até maio ou junho do ano que vem. Eu faria a análise dos custos e dos dados na Holanda”, projeta.

Taís Ribeiro (à esquerda) aproveita o projeto para colocar em prática o que já vê nas aulas de graduação em Fisioterapia. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

INICIAÇÃO CIENTÍFICA – A graduanda Taís Dias Ribeiro também participa do projeto como uma das responsáveis pelas avaliações econômicas e físico-funcionais feitas com os pacientes imediatamente antes e após o tratamento com pilates ou exercícios domiciliares. Ela conta que, quando viu a vaga, logo se identificou. “A área da Ortopedia sempre me chamou atenção, especificamente dor lombar, porque eu já tive muita. Antes de entrar na graduação, fui diagnosticada com hérnia de disco e sofri muito com isso. Foi um dos motivos pelos quais comecei a graduação em Fisioterapia”, relembra.

 

Ela acredita que esta é uma experiência muito válida. “Para mim, está sendo muito bacana colocar em prática, antes mesmo do estágio, algo que já estou vendo na graduação e também pelo contato com os pacientes. É uma boa vivência para a prática que vamos ter futuramente". A estudante, que iniciou estágio neste semestre, conseguiu bolsa de iniciação científica (Pibic) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológicoe (CNPQ) e agora se lança em atividades de pesquisa. “Vou analisar os efeitos nos indivíduos que fizeram exercício domiciliar e pilates, em relação à amplitude de movimentos e flexibilidade. Para isso, vou usar o teste ‘dedos ao chão’ e goniometria, e também vou analisar a avaliação antes e após a intervenção”, explica Taís. “Esse projeto me dá novos horizontes. Agora estou entendendo mais sobre esse assunto e vendo as coisas com outros olhos”, conclui.

 

PARA PARTICIPAR – Interessados em participar do projeto desenvolvido pelo grupo da FCE podem entrar em contato por meio do e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. ou pelos telefones (61) 98100-0590 e (61) 98563-2048. Para ser paciente voluntário, é preciso atender aos seguintes critérios: ter entre 18 e 50 anos, estar sentindo dor lombar por mais de três meses e não ter feito pilates nem fisioterapia nos últimos 6 meses. Aqueles que não se encaixarem nesses critérios ainda assim têm a possibilidade de ser encaminhados a outras iniciativas gratuitas da UnB.

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