Pesquisadores da UnB mapeiam pontos de captação de água subterrânea do Distrito Federal. Encomendado pela Adasa, estudo identificou 187 poços viáveis

 

Os meses de outubro e novembro registraram mais de 600 mm de chuva; quase o dobro do mesmo período em 2017, quando choveu pouco mais de 350 mm. Foto: Alexandra Martins/Secom UnB

 

O conhecido céu azul de Brasília é paisagem estampada em cartões postais e cenário para belos registros fotográficos. Nos últimos meses, no entanto, os dias ensolarados deram lugar a um tempo cinza e chuvoso. O ano de 2018 está sendo atípico, com índice pluviométrico acima da média histórica.

 

Em 2017, o Distrito Federal e outras regiões do país passaram por período crítico de seca. Um dos principais reservatórios que abastece a população das regiões administrativas do DF – Descoberto – chegou a apenas 5,3% de sua capacidade total no dia 7 de novembro, conforme dados do Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos (SIRH). Abaixo de 20% já é considerado alarmante, podendo ser decretado racionamento.

 

Foi nesse contexto que a Universidade de Brasília iniciou estudo para mapear pontos de captação de água subterrânea. A ideia foi proposta durante reunião entre a UnB e representantes da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico (Adasa), da Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb) e do Governo de Brasília.

 

Desenvolvida por pesquisadores do Instituto de Geociências (IG), a pesquisa apresentou resultados às instituições envolvidas em outubro, e aponta um caminho embaixo da terra. “A água subterrânea é um recurso estratégico utilizado no mundo todo, que pode contribuir significativamente com o abastecimento em situações emergenciais”, diz o professor José Eloi Guimarães Campos, diretor do IG e coordenador do estudo.

 

Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Geociências Aplicadas do IG, André Walczuk conta que a experiência lhe despertou novos interesses. “Tive a oportunidade de conhecer a geologia de todo o DF, bem como entender e contextualizar conceitos e abordagens da área”, menciona o geólogo, que atualmente se dedica à temática de recursos hídricos.

 

André considera que participar do projeto foi gratificante, tanto da perspectiva pessoal quanto profissional. “Um dia, você está no campo e, no outro, já é possível ver os resultados. Mesmo sendo a longo prazo, os efeitos podem contribuir para a melhoria do abastecimento público de Brasília”, comemora.

 

Ao todo, seis pesquisadores integraram a equipe de trabalho. Além de José Eloi e André Walczuk, também participaram os geólogos Flávio Freitas, Cristiane Moura e Lucas Teles, além da geofísica Amanda Rocha. A consultoria técnica foi selecionada pela Adasa em edital publicado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Professor José Eloi propôs a captação de água subterrânea como fonte estratégica em períodos de crise. Foto: Amália Gonçalves/Secom UnB

 

RECURSO PRECIOSO – A hidrosfera do planeta é composta majoritariamente por água salgada, proveniente dos mares e oceanos.

 

A água doce disponível no mundo corresponde a apenas 3% de todo o recurso hídrico e está distribuída de quatro formas distintas. A maior parte está concentrada na forma de gelo nas calotas polares (71%). Os 29% restantes podem ser encontrados em rios e lagos (7%), umidade do ar (4%) e em águas subterrâneas (18%).

 

A maior reserva de água subterrânea do planeta – o Sistema Aquífero Grande Amazônia (Saga) – está no Brasil, localizado sob os estados do Amapá, Amazonas e Pará. Com volume estimado em 162.520 km³, o reservatório tem capacidade de abastecer toda a população mundial por 250 anos.

 

No Distrito Federal, os aquíferos do sistema Paranoá não possuem armazenamento tão grande. “Em torno de 15% do abastecimento do DF é por água subterrânea, principalmente para uso de condomínios e da região de São Sebastião”, informa José Eloi.

 

Há pelo menos dois tipos básicos de aquíferos quanto à porosidade da rocha: porosos e fraturados. Pela facilidade de absorção, os porosos apresentam grandes volumes de armazenamento, enquanto os fraturados dependem do número de fissuras e da mobilidade da água entre elas. Este último tipo é predominante na região do DF. “A água subterrânea não é como uma esponja no subsolo. Só há água onde a rocha está fraturada, é somente ali que ela circula”, esclarece o geólogo.

 

Em todo o DF, existem mais de mil poços cadastrados, sendo que 300 estão em subsistema do Paranoá. Na opinião do docente, trata-se de uma boa reserva. “Tem poço com vazão de quatro, cinco mil litros por hora, e tem aqueles com 40 mil”, destaca. Como a rocha é fraturada, há facilidade para perfuração.

Equipe de pesquisadores reunida para atividade de campo em área do DF. Foto: Divulgação

 

PRIORIDADE – O Distrito Federal possui uma área total com mais de cinco mil quilômetros de extensão. Diante disso, como delimitar os locais ideais para instalação de poços na região? Como todos os aquíferos estão mapeados no inventário hidrogeológico do DF, José Eloi explica que foram definidos critérios técnicos para encontrar os melhores pontos de captação.

 

O primeiro deles foi a localização pública. “Na emergência, é um complicador locar poços em propriedades de terceiros. É até possível, mas um processo demorado. Talvez seja preciso acionar a Justiça e buscar as devidas autorizações”, pontua.

 

Outros dois quesitos levaram em consideração o investimento necessário para a instalação de um poço: a energia e as adutoras. “Se eu construir um poço a 100 km daqui e não tiver energia ou tubulações para colocar água na rede, será necessário um gasto maior”, comenta.

 

Por fim, o quarto critério está relacionado às fraturas. “Se não houver fraturas atravessando a rocha, pode-se encontrar um poço produtivo e outro seco a 50 metros de distância." A partir disso, foi feito o cruzamento de todas as informações em um Sistema de Informações Geográficas (SIG), em que todos os planos de informações estão georreferenciados na mesma base de dados.

 

O número de poços que atendem todos esses critérios é de apenas 28, mas flexibilizando alguns parâmetros, foi possível delimitar um total de 187 poços, que estão identificados com coordenadas geográficas.

 

MÉTODO QUALIFICADO – Para identificar as fissuras e aumentar as chances de sucesso, os pesquisadores recorreram à Geofísica, campo do conhecimento que desenvolve estudos na superfície ou acima dela, visando delimitar estruturas em subsuperfície.

 

Utilizando equipamento próprio de eletrorresistividade, foi possível definir as áreas com maior possibilidade de produção de água. “Para a realização do estudo, cravamos eletrodos metálicos no solo e passamos corrente elétrica entre eles. Quando a rocha é mais condutiva, significa maior presença de água”, explica José Eloi.

Como o equipamento utilizado – Syscal – possui cabo de 360 metros, foram instalados eletrodos a cada 10 metros. Foto: Divulgação

 

De acordo com o docente, esse experimento é o mais indicado para áreas urbanas, pois é menos sensível a interferências. “A metodologia eletromagnética também é eficaz, mas está suscetível a ruídos”, afirma. Essa atividade demanda tempo e o equipamento da instituição é prioridade para pesquisa acadêmica da pós-graduação. "Mesmo assim conseguimos cumprir os prazos. A equipe levou cerca de dois meses para concluir essa etapa." 

 

A eficiência do método só poderá ser comprovada, neste caso, quando os poços forem construídos, mas o pesquisador garante que a tendência é obter vazões acima da média. “Quando são usados critérios técnicos, a vazão pode duplicar ou ser ainda maior.”

 

URBANIZAÇÃO – Como a água do planeta é cíclica, a manutenção hidrológica depende do equilíbrio da biosfera. Com o processo de urbanização acelerada, há redução de áreas verdes e consequente aumento da impermeabilização. “Para minimizar esse impacto, é possível realizar infiltração artificial. Os condomínios mais antigos têm percebido a vazão diminuir ao longo dos anos”, aponta Eloi.

 

Para o diretor do IG, a crise tem um lado positivo e pedagógico. “As pessoas começaram a aprender e valorizar mais. O próprio poder público também tomou providências para cuidar desse recurso que é tão importante para toda a população." A expectativa é que a Adasa construa alguns dos poços já em 2019. “Dois já vão ser autorizados, pois estão nas áreas da própria Caesb”, antecipa o pesquisador.

   

Além de testar a metodologia, será possível utilizar a água desses poços para outras finalidades. “Aqui no DF, é muito comum o uso de caminhão-pipa para abastecer obras, piscina e irrigação. Alguns desses poços podem ser usados para encher os caminhões para distribuição”, especula.

 

 

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