Docente da Faculdade do Gama, Maria del Pilar Hidalgo recebeu medalha de cientista do ano por organização internacional. Trabalho com comunidade local é desenvolvido junto a alunos de Engenharia da Universidade

 

Professora Maria del Pilar Hidalgo e aparato para produção de biogás em comunidade do Gama. Foto: Amália Gonçalves/Secom UnB

 

Nanotecnologia. Um termo curioso, cada vez mais difundido e com um conceito não tão conhecido. A ciência cujo nome tem sonoridade elaborada e moderna é praticada quase diariamente em um galpão simples no setor de indústrias do Gama, região administrativa do Distrito Federal. Repleto de materiais intrigantes, em formatos difíceis de identificar prontamente, o lugar abriga laboratórios, artefatos desconhecidos para leigos e, o mais importante: pesquisadores – alunos de diversos cursos da Faculdade UnB Gama (FGA).

 

Todos estes promissores cientistas são supervisionados e acompanhados por uma especialista já reconhecida na área, a professora adjunta de Engenharia de Energia Maria del Pilar Hidalgo. No início de fevereiro de 2018, a docente recebeu a medalha de cientista do ano pela International Association of Advanced Materials (IAAM) – Associação Internacional de Materiais Avançados, em tradução livre. A Scientist Medal of the Year veio em reconhecimento ao notável trabalho de Hidalgo na área de Materiais Avançados e Tecnologia. A comenda foi entregue durante o Congresso Mundial de Materiais Avançados de 2018, em Cingapura.

 

Além de receber o prêmio, uma das missões da professora no evento era levar o nome da UnB ao mundo. Quatro pesquisas desenvolvidas na Universidade foram apresentadas no encontro em formato de pôsteres. Os temas foram: obtenção e caracterização de bio-propelentes dopados com nanopartículas de metal para aplicações em hidropropulsão; desenvolvimento de nanoesponja de grafeno para absorção de petróleo na água; desenvolvimento de nanofiltro para remoção de sulfato de hidrogênio do biogás; e desenvolvimento de células solares sintetizadas por corantes naturais e por nanoparticulas de Dióxido de Estanho (SnO²), Dióxido de Titânio (TiO²) com Sulfóxido de Dimelito (DMSO) e Etanol. 

Pôster sobre trabalho com células solares (na imagem) foi premiado como melhor apresentação de congresso internacional em Cingapura. Foto: Amália Gonçalves/Secom UnB

 

Este último rendeu à estudante Isabella Sene Carneiro – parceira de laboratório da professora Hidalgo que a acompanhou ao Congresso Mundial – o prêmio de melhor apresentação de pôster no evento. Isabella é apenas um dos exemplos promissores de alunos ligados às atividades coordenadas por Hidalgo. “Formamos alunos que hoje estão fora do país, fazendo pós-graduação na China, na Austrália. Outros conseguiram emprego graças à participação no projeto”, destaca a professora.

 

LAB N-TEC O Laboratório de Nanotecnologia (LAB N-TEC) da FGA, também conhecido como Galpão, é a origem dos trabalhos apresentados no congresso em Cingapura. Segundo o dicionário Houaiss, nanotecnologia é um conjunto de técnicas trabalhadas em escala nanométrica – ou seja, medida em nanômetros: a bilionésima parte de um metro –, aplicada frequentemente à produção de circuitos e dispositivos eletrônicos com as dimensões de átomos ou moléculas. 

 

Vestindo camisetas que estampam o orgulho pela área, os alunos que trabalham no Galpão não interrompem o desenvolvimento de projetos nanotecnológicos nem mesmo durante as férias. “Cheguei aqui com muito entusiasmo, pois no Gama existem muitos desafios, e com eles muitos alunos com desejo de aprender”, conta Maria del Pilar. Umas das fundadoras do campus voltado às engenharias, a professora se lembra da época em que as aulas aconteciam no fórum e no estádio da cidade. “Quando começamos, não tínhamos nada. Hoje, temos pelo que ser reconhecidos”, completa.

 

Com ajuda da Universidade de São Paulo, parceira constante do grupo, e de outros investidores, a pesquisadora conseguiu equipamentos para dar o pontapé inicial do projeto do LAB N-TEC. O restante do aparato foi conquistado por intermédio de um projeto de pesquisa acolhido pelo CNPq. Aos poucos, os alunos das engenharias elétrica, aeroespacial, automotiva, eletrônica e de software encontraram espaço para desenvolver no local pesquisas práticas para trabalhos de conclusão de curso, projetos de iniciação científica etc.

 

Além da estrutura do Galpão, eles dispõem da orientação da professora Maria del Pilar Hidalgo e de liberdade para usar os laboratórios nos mais variados horários. “Se tem algo que eu aprendi nesse tempo é que esse legado de ensinar, transmitir, de ajudar os alunos a superar-se, é um legado sublime. É o que tem que nos mover aqui no Brasil. Se a gente não vai à luta, não se acerta, não respeita e não valoriza esse recurso humano que são os alunos, nós teremos mais dificuldades. Estamos aqui para isso, para a formação dos recursos humanos”, declara a docente.

Equipe de pesquisadores que atua no LAB N-TEC da FGA, ou simplesmente Galpão. Foto: Amália Gonçalves/Secom UnB

 

COMUNIDADE Acostumada a trabalhar com indústria do petróleo, a cientista peruana passou a ter preocupação sobre como utilizar energias renováveis para o avanço do Brasil, "fazendo o ecologicamente incorreto trabalhar lado a lado com o ecologicamente correto". Maria del Pilar teve a ideia de tornar a ideia aplicável a partir de pequenas comunidades. “Começamos já no desafio de fazer isso voltado para comunidades carentes. Pensamos em produzir um biogás a partir dos rejeitos da vaca, dos animais das chácaras locais, por exemplo."

 

Os excrementos são depositados em um recipiente criado pelos próprios alunos, onde, com o auxílio de uma espécie de estufa, acontece a gaseificação. O gás é coletado em pequenas sacolas especiais de plástico. Após o recolhimento, o material é analisado em laboratório. “Fazemos um controle da produção desse gás, inserindo um nanofiltro. O resultado é um gás mais limpo, sem o composto de enxofre”, detalha a professora. Por fim, é extraído o gás carbônico do material, restando somente o biometano, que tem uma aplicabilidade semelhante à do gás natural.

 

Como início do processo, os pesquisadores visitam moradores e pequenos comerciantes e entendem como funciona a vida deles e as necessidades. Após a pesquisa, criam projetos baseados nestas demandas. “Pegamos o bagaço da cana dos vendedores da cidade e fazemos um etanol de segunda geração, depois devolvemos a essas mesmas pessoas o material, que pode ser utilizado na limpeza de móveis”, exemplifica a docente.

 

Com a mesma motivação, também estão sendo feitos nanossensores para indicar o grau de poluição da emissão de carros. “A nanotecnologia é cara, mas se você somar isso ao projeto de desenvolvimento sustentável, justifica o preço, porque se pensa em benefícios a longo prazo. Nossos estudos não são só para as grandes coisas, mas também para ajudar o local onde estamos.”

 

CÉLULAS SOLARES Entre os projetos voltados para pequenos agricultores, comerciantes e moradores, está o trabalho com células solares. A fim de gerar energia de forma barata e sustentável, as alunas Isabella Sene Carneiro e Icoana Martins trabalham ao lado de outros pesquisadores na criação e confecção desses materiais. “Nosso objetivo final é atender comunidades carentes, que podem tentar gerar energias para esquentar água ou alimentar um minigerador”, explica Icoana.

 

Para formar a composição de cada célula é usado substrato de vidro puro. Nele são depositadas as nanopartículas semicondutoras fabricadas no laboratório. Esses materiais são à base de dióxido de estanho dopado com flúor e dióxido de titânio, além de extrações de corantes naturais, como clorofila, urucum, amora, açafrão e corantes do Cerrado. É acrescentado também grafeno, uma forma super-resistente de carbono, para aumentar a eficiência da célula. O grafeno utilizado é fabricado pelos alunos em laboratório. Os corantes naturais são extraídos de produtos recolhidos nas próprias cercanias do galpão.

 

“A gente consegue fios finos para a conformação da célula. Depois de depositar cada material, a gente fecha essa célula para medir a tensão que está sendo gerada ali”, pontua Icoana. O objetivo é montar todos os componentes de forma a diminuir a resistência da placa e aumentar a tensão. 

No detalhe, a Nanoesponja de Grafeno, desenvolvida para atenuar vazamentos de petróleo. Foto: Amália Gonçalves/Secom UnB

 

INDÚSTRIA Há também projetos voltados para a produção industrial, como a Nanoesponja de Grafeno, a produção de biogás e a produção de nanossensores para detecção de BTX (sigla para Benzeno, Tolueno e Xileno). Das emissões derivadas do petróleo, o perigo maior não está na liberação de gás carbônico ou metano. A mais nociva é o BTX, encontrado inclusive na gasolina. Os nanossensores são desenvolvidos para evitar a exposição de pessoas a estes vapores altamente perigosos e cancerígenos.

 

Os alunos Diego Souza, Vanessa Alvim e Luiz Henrique Xavier fazem parte do grupo que desenvolve uma Nanoesponja de Grafeno para absorção de petróleo derivado de acidentes que causam vazamentos na água. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) cedeu amostras de petróleo para os estudos do grupo. A esponja é um composto de matriz polimérica que integra a esponja de poliuretano (comum no uso doméstico) e o revestimento em grafeno. O grafeno tem propriedades oleofílicas e hidrofóbicas, ou seja, não se mistura à água, mas tem afinidade com óleo.

 

“A gente revestiu essa esponja para que ela tenha propriedades para sugar gasolina. Com grafeno e quitosana, a gente teve uma boa capacidade de absorção”, explica Diego Souza. Além de eficiente para utilização em áreas de vazamentos, a esponja é reaproveitável. É possível extrair o material dela e lançá-la novamente no mar.

 

FUTURO – A continuidade das pesquisas e da formação de pessoas é o que a premiada cientista enxerga para as atividades do Galpão. Ela considera que, apesar das dificuldades do atual momento, com corte de verbas, corte de projetos e falta de recursos, desistir dos objetivos de desenvolvimento científico em prol do país não é uma opção.

 

"Quando há o desejo de trabalhar, as coisas dão certo. Esse projeto, para mim, é uma honra e meu ímpeto de continuar é inspirado pelo trabalho de Darcy Ribeiro. Aprendi muito com seus ensinamentos. Estamos em um galpão simples, com pouco recursos, mas temos muita vontade de continuar honrando o tempo, o conhecimento e os valores que investimos aqui”, indica.

 

 

*Estagiária de Jornalismo na Secom/UnB.

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