Alto do Rio Grande seria continuação geográfica do país. Solicitação internacional para incorporar elevação e ampliar formalmente os limites da plataforma continental brasileira foi protocolada

Foto: André Gomes/Secom UnB

 

O mineral silicato de zircônio, também conhecido por zircão, foi fundamental para pesquisadores descobrirem a origem e a idade do chamado “continente perdido” que existe no oceano Atlântico, a cerca de 1,3 mil km de Porto Alegre (RS). Trata-se do Alto do Rio Grande, elevação cuja profundidade mínima está entre 700 e 800 metros do nível do mar.

 

De acordo com o artigo publicado na revista internacional Terra Nova pelos professores do Instituto de Geociências da UnB Roberto Ventura Santos e Elton Dantas, em conjunto com outros seis pesquisadores do Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM), a análise do zircão encontrado no local permite novas interpretações sobre a ruptura continental ocorrida há cerca de 80 milhões de anos, quando América do Sul e África se separaram. Esta ruptura teria dado origem ao elevado em questão.

 

“O zircão tem muita resistência física e química. Quando ele se forma, aceita dentro da estrutura Urânio e Tório, dois elementos radioativos que, com o tempo, decaem e se transformam em chumbo. Então, em laboratório contamos o número de átomos de chumbo nesses minerais e, com base nisso, calculamos a idade das rochas. E assim chegamos à conclusão de que as do Alto do Rio Grande eram muito mais antigas do que a formação da crosta oceânica, que é a abertura da América do Sul com a África (abertura de pangeia)”, conta Santos.

Equipamento do Instituto de Geociências da UnB é capaz de identificar idade de rochas. Foto: André Gomes/Secom UnB

 

Para se ter uma ideia, a rocha mais antiga do oceano tem 230 milhões de anos. Na região do Alto do Rio Grande, há rochas de 540 milhões de anos, 480 milhões e até de dois bilhões de anos.

 

Nas missões brasileiras a essa área, encontraram: ortognaisse, granito, monzogranito, leucogranito, granolito. Todas são metamórficas – sofreram modificação em sua composição mineralógica devido à influência das diferentes condições do ambiente em que estão inseridas – e foram formadas em zonas de colisão. Segundo o professor, isso significa, neste caso, que elas foram formadas a partir do choque de dois continentes – América do Sul e África.

 

A constituição das amostras oriundas do Alto do Rio Grande também chamou atenção dos pesquisadores. “Tanto a composição química delas, como a mineralógica e a própria idade são completamente incompatíveis com o fato de elas serem formadas no fundo marinho. Elas têm composição de rochas continentais”, atesta.

 

“Foi a partir daí que iniciamos essa discussão de que talvez fosse um micro continente ou um pedaço de continente que ficou pra trás durante a abertura da América do Sul com a África”, detalha Santos, ao ensinar que a separação dos continentes continua a ocorrer – cerca de um centímetro por ano.

Professor Roberto V. Santos mostra no mapa Elevação do Rio Grande. Foto: André Gomes/Secom UnB

 

AVANÇO – O trabalho desenvolvido pelos brasileiros serviu de base para o país submeter à Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) nova proposta de expansão do limite exterior de sua plataforma continental, que ainda será analisada.

 

“A CPRM, a Marinha, o Ministério de Minas e Energia e outros órgãos fizeram várias pesquisas na Elevação do Rio Grande. Conseguiram levantar dados e informações suficientes para comprovar que a região é um prolongamento natural da margem continental brasileira. E é isso que precisamos”, afirma a advogada e coordenadora-executiva da CPRM, Claudia Rezende, que também é doutoranda em Biodiversidade e Biotecnologia na Universidade de Brasília.

 

Ela explica que, de acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, quando um Estado costeiro solicita essa extensão de limites, imediatamente – independentemente de haver ocupação, nominação ou proclamação formal – passa a exercer direitos exclusivos de soberania sobre solo e subsolo marinhos daquela região, mesmo antes de o pedido ser analisado ou de serem emitidas as recomendações da CLPC.

 

“Os fundamentos que integram a submissão do Brasil não são novidade, são baseados na jurisprudência internacional e na própria Convenção. Outros países já os adotaram para alcançar a extensão de suas plataformas continentais, a exemplo do Canadá e da Nova Zelândia. O protocolo junto à CLPC, que ocorreu em dezembro de 2018, já traz ao Brasil a responsabilidade sobre aquela região como uma área sobre a qual o país exerce direitos de soberania, de modo que seu aproveitamento econômico sobre recursos, vivos e não vivos, pode ser feito desde logo”, acrescenta.

 

Claudia lembra que a elevação é rica em minérios e ainda não explorada. Ela calcula que, se a submissão for acatada integralmente, a área da plataforma continental sob jurisdição do Brasil poderá aumentar em quase um milhão de quilômetros quadrados. “É realmente de interesse do país”, avalia.

Localização do Alto do Rio Grande. Foto: apresentação da CPRM

 

BREVE HISTÓRICO – A Comissão de Limites pode acatar na íntegra, em parte ou negar o pedido de um país. Em 2004, o Brasil já havia feito uma solicitação, que culminou com cerca de 80% de aprovação e algumas orientações.

 

Via de regra, após a emissão de recomendações a uma submissão da CLPC, o país solicitante pode optar por três caminhos: concordar com o limite exterior indicado – e, então, depositar as coordenadas junto ao Secretário-Geral da ONU; discordar e então propor uma submissão nova (pode inclusive ser sobre o mesmo local) ou revista total ou parcialmente; ou, simplesmente, desistir da extensão pretendida.

 

Após ter recebido recomendações sobre a submissão original de 2004, a opção do Brasil foi apresentar três novas submissões parciais: uma da margem sul (2015), outra da margem equatorial (2017) e outra da margem oriental e meridional (2018). A primeira já foi aprovada, a segunda está em análise e a última foi apenas protocolada.

 

“Efetivamente, os dados e as informações submetidos são suficientes para confirmar que a Elevação do Rio Grande integra a plataforma continental brasileira, ou seja, solo e subsolo marinhos em área sob jurisdição brasileira. A CLPC poderá até rejeitar essa proposta de extensão da plataforma continental ou entender que um trecho faz parte da margem continental brasileira e outro não, como já aconteceu antes; da mesma forma, o Brasil poderá apresentar submissões revistas totais ou parciais caso discorde da CLPC. Essa submissão parcial revista de 2018 será profundamente analisada e discutida longamente”, comenta Claudia Rezende.

 

“O Brasil terá que aguardar, mas a partir do momento da apresentação formal de sua submissão parcial da Margem Oriental e Meridional, ocorrida em dezembro de 2018 junto à CLPC, todos os países que são partes da Convenção foram formalmente notificados sobre a submissão do Brasil e o exercício de direitos de soberania sobre essa região”, detalha.

 

As informações também estão públicas na internet. A atuação do país no local baseada nessa “soberania temporária” levou a um grande debate jurídico. A professora de Direito Internacional e de Direito Ambiental da UnB, Carina Oliveira, lembra que o Brasil firmou contrato em 2015 com a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISBA), da Organização das Nações Unidas (ONU), para explorar a região do Alto do Rio Grande por 15 anos. É o único deste tipo no Atlântico Sul, até pelo alto custo.

Professora de Direito da UnB Carina Oliveira acompanha debate jurídico internacional sobre o tema. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

Segundo ela, hoje há um movimento pela extinção desse contrato, pois o Brasil já teria direito de pesquisar a área a partir do momento em que protocolou o pedido de extensão da plataforma continental. “Mas, na minha opinião, deve manter o contrato para poder continuar explorando em conformidade com as regras do Direito Internacional. Tem que aguardar a recomendação da Comissão de Limites”, justifica.

 

Carina explica que, se acontecer, a extensão da plataforma continental resultará na exclusividade de exploração dos recursos, mas não aumentará o território, que vai até 12 milhas náuticas (mar territorial).

 

“O Estado pode solicitar às Nações Unidas uma extensão de sua plataforma continental se entender que há geologicamente uma extensão natural do território para além das 200 milhas náuticas, podendo chegar a 350 milhas náuticas. O Brasil fez esta solicitação. Se conseguirmos, nesse espaço de 150 milhas náuticas teremos exclusividade para explorar os recursos minerais (solo e subsolo), mas não temos exclusividade de coluna d’água (que é alto mar e há liberdade de pesca e pesquisa)”, ensina.

 

Vale lembrar que, na extensão da plataforma continental, os países têm soberania para explorar, conservar e gerir os recursos vivos e não vivos das águas, do leito e do subsolo marinho.

 

Para a docente, o aumento da extensão da plataforma continental seria positivo para o Brasil, porque a região que inclui o Alto do Rio Grande se tornaria uma área sob jurisdição nacional e isso traria consequências importantes no campo econômico.

 

“Hoje, se o Brasil continuar com o contrato de exploração no Alto do Rio Grande e, no futuro, passar da fase de exploração para a de explotação (extração de minérios), terá que pagar royalties à Autoridade dos Fundos Marinhos. Mas se ali for área sob jurisdição nacional, é o Brasil que vai receber royalties". 

 

Atualmente ainda não existe um código de explotação mineral. O tema está em discussão no âmbito da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, que regulamentará esta atividade. Especula-se que os países envolvidos tenham a intenção de concluí-lo em 2020.

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