ACESSIBILIDADE

Confeccionado pelo formando de Geografia Luca Mammoli, o recurso é destinado a pessoas cegas ou com baixa visão

Audrey Luiza/Secom UnB
O geógrafo Luca Mammoli exibe o mapa final e uma versão de teste. Foto: Audrey Luiza/Secom UnB

 

Texturas, alto-relevo e caracteres em braille formam o primeiro mapa tátil tridimensional da Universidade de Brasília. O novo recurso de acessibilidade para estudantes cegos ou com baixa visão abrange parte da área norte do campus Darcy Ribeiro. A peça de plástico, com formato quadrangular e lados medindo 20 centímetros, é resultado do Trabalho de Conclusão de Curso de Geografia de Luca Mammoli, orientado pela professora Roselir Nascimento.

 

Para confeccionar o mapa, Luca utilizou uma impressora 3D e o custo unitário do mapa ficou abaixo de R$ 6. O trabalho foi realizado em parceria com a Coordenação de Apoio às Pessoas com Deficiência da UnB (PPNE) e o Laboratório de Apoio ao Deficiente Visual (LDV) da Faculdade de Educação (FE). 

 

“Luca se empenhou bastante para desenvolver esse trabalho, do qual me orgulho ter feito parte. Nós, professores, ainda somos pouco preparados para lidar com estudantes com deficiência. Conhecer todo o trabalho que o PPNE faz na UnB foi uma grata surpresa”, afirma Roselir Nascimento. 

 

O objeto foi testado e aprovado por estudantes cegos da UnB. “Achei o mapa super genial. A possibilidade de ter noção geral do espaço é incrível. Só vi uma cartografia semelhante em museus”, avalia Matheus Pereira Silva, cego e estudante do quarto semestre de Ciência Política na UnB. Para ele, o mapa é “revolucionário e a proposta deveria ser adotada em outros locais, como shoppings ou espaços públicos, para aumentar a acessibilidade”.

Peça de plástico, com 20 centímetros de lados, traz alto-relevo e caracteres em braille: primeiro mapa tátil tridimensional da UnB. Foto: Raquel Aviani/Secom UnB

 

PESQUISA – “Estava a caminho da Universidade, no trajeto que sempre faço de ônibus. Sentado e de olhos fechados, comecei a pensar em como uma pessoa cega consegue se orientar no espaço. 'Há mapas para cegos?', indaguei. A partir disso, fui pesquisando e o assunto começou a crescer dentro de mim”, relembra Luca Mammoli sobre a origem da pesquisa. O passo inicial foi buscar bibliografia básica.

 

“A área da cartografia destinada a pessoas cegas ou com baixa visão é a cartografia tátil. Achei pouco material relacionando o assunto e a impressão 3D. É algo muito recente no Brasil, ainda com lacunas”, conta o geógrafo. As pesquisas mais robustas encontradas por ele vieram dos repositórios da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

 

A cartografia tátil representa os espaços a partir de texturas, alto-relevo e braille. Segundo o geógrafo, diferente da cartografia tradicional, a tátil não possui convenções em nível mundial. Cada país ou região adota orientações específicas sobre como o material deve ser utilizado. Ele afirma que, no Brasil, “grande parte dos mapas táteis ainda são artesanais e sem padronizações, feitos com produtos de papelaria”. Mammoli enxerga na tecnologia e nas impressoras 3D possibilidades para revolucionar esse campo.

 

Uma etapa indispensável do trabalho foi a realização de entrevistas com estudantes cegos da UnB. “A todo momento, me deparava com o fato de não ser o especialista na área; o especialista era o usuário”, destaca sobre a cooperação dos alunos que foi intermediada pelo Laboratório de Apoio ao Deficiente Visual da UnB (LDV).

 

Com as entrevistas, foi possível conhecer as trajetórias diárias dos acadêmicos cegos e definir a abrangência do mapa. “Escolhi parte da área norte do campus Darcy Ribeiro. A região é bastante demandada pelos estudantes por ser um ponto de acesso ao PPNE. Além disso, tem um bom espaçamento entre os prédios e inclui a rota de um dos entrevistados, o Matheus”, explica Luca.  

 

Ele esclarece que não seria eficaz mapear uma região demasiadamente ampla, já que a impressora 3D do Laboratório de Ensino Geográfico (LAEG) produz peças com, no máximo, 20 cm². “Se a área fosse muito grande, a escala ficaria pequena e prejudicaria a legibilidade. Outro fator considerado foi a concentração de informação. A Faculdade de Educação, por exemplo, tem vários prédios menores que são próximos. Nesse caso, teria que mapear uma área pequena, com muita informação em pouco espaço”. 

O cotidiano do estudante Matheus Pereira inclui a travessia entre prédios da ala norte e o ICC no campus Darcy Ribeiro. Foto: Raquel Aviani/Secom UnB

 

PRODUTO – Antes de chegar à peça final, os estudantes cegos avaliaram versões testes. “Eu verificava elementos como, por exemplo, se eles conseguiam diferenciar a altura entre as linhas indicativas da via para pedestre e da via para automóvel. Se a escala estava boa ou concentrando muita informação. Se o ponto do braille era legível ou se estava muito próximo”, detalha Mammoli.

 

A versão final inclui os seguintes prédios: Pavilhão Anísio Teixeira (PAT); Pavilhão João Calmon (PJC); Instituto de Ciência Política (IPOL); Faculdade de Direito (FD); Faculdade de Administração, Contabilidade, Economia e Gestão de Políticas Públicas(FACE); Bloco de Salas de Aula Norte (BSAN); Módulo de Apoio e Serviços Comunitários (MASC Norte), e Bloco de Salas de Aula Eudoro de Sousa (Baes).

 

O produto leva em consideração ainda a viabilidade de mobilidade nos trajetos. “Utilizei um software para geração automática de mapas. Entretanto, durante as entrevistas, verificamos que alguns caminhos apontados eram impróprios para o usuário cego. Foi o caso de um caminho entre a FD e a Face, cuja pavimentação não está adequada, pois tem um desnível entre as calçadas de 30 centímetros. Por essa razão, optamos por excluí-lo do mapa. Foi uma questão de responsabilidade com o usuário", explica o geógrafo. 

 

Um detalhe da peça é que ela traz a sinalização do ponto cardeal Leste, ao invés do Norte, que é o padrão geralmente adotado. “Essa referência facilita a orientação a partir do nascer do sol. Não é uma orientação que precisamos enxergar, já que, no começo do dia, a gente sente um lado da face aquecendo mais. Além disso, a geomorfologia da UnB está toda voltada para o Leste, em direção ao Lago Paranoá”, explica o acadêmico. 

A coordenadora Thaís Imperatori e o estudante Mateus Pereira exibem o mapa tátil junto à equipe do PPNE. Foto: Raquel Aviani/Secom UnB

 

BALANÇO – Coordenadora do PPNE, Thaís Imperatori afirma que se trata de iniciativa inovadora. "Há a preocupação em trazer soluções para problemas concretos do cotidiano dos estudantes com deficiência da UnB", resume. Para ela, o trabalho exemplifica como a acessibilidade é um tema transversal e intersetorial, com enorme potencial de pesquisa. A coordenadora frisa que o PPNE possui um formulário para registrar as pesquisas da UnB que se relacionam a demandas das pessoas com deficiência. “É importante termos esse catálogo. Basta que o estudante nos procure e nós fazemos o registro de sua pesquisa e contribuímos com as informações que dispomos”, explica.  

 

Mammoli deseja continuar atuando na temática. Ele fala, com alegria, sobre o convite recebido do Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais (CEEDV) para fazer um mapa tátil da escola: "Isso, para mim, é muito bacana. Estou com ótimas expectativas”. O geógrafo garante ter passado “a enxergar melhor depois dessa experiência”: “Comecei a me atentar a detalhes antes despercebidos. O espaço é mais do que um visual bonito pode aparentar”. 

 

CIDADANIA – A Lei 3.409 de 2016 determina a inclusão de pessoas com deficiência nos cursos técnico de nível médio e superior das instituições federais de ensino. Atualmente, o PPNE da UnB acompanha mais de 370 alunos, de 90 cursos de graduação e pós-graduação, com deficiência ou necessidades educacionais específicas. Destes, 48 tem cegueira ou baixa visão.

 

Interessados em conhecer o mapa podem se dirigir à Coordenação de Apoio às Pessoas com Deficiência da UnB (PPNE) ou ao Laboratório de Apoio ao Deficiente Visual (LDV) da Faculdade de Educação (FE). 

 

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